segunda-feira, 11 de julho de 2011

Conversa com o coração

Com a esperança de entendê-lo, começou a conversar com seu coração. Quem sabe se, conversando com ele, ela não entenderia o que passava pela sua cabeça na hora em que perguntas inquietantes a inquietavam, vazios irritantes a preenchiam e nós bem enrolados a enrolavam. Para a sua surpresa, ou não tão surpresa assim, não conseguiu entender seu coração. Ela deixou as perguntas bem claras para que a conversa fluísse bem. Ele, por outro lado, não respondia direito e não falava coisa com coisa. Ela se irritava pelo fato de quase nunca seguir a racionalidade e sempre seguir o coração, esse “ser” irracional, incompreensível e, acima de tudo, exagerado. Mas não se arrependia muito por isso, pois mesmo seguindo-o, normalmente acertava o caminho. Em todo caso, nem sempre. De vez em quando, errava feio.
Sua cabeça estava uma confusão e era tudo culpa de seu coração. Ela pedia para que ele pedisse desculpas, mas ele não pedia. Orgulhoso esse tal de coração!, pensou. Durante a conversa, ela concluiu que podia falar que sofria do coração. De problemas com o coração. E não eram poucos esses problemas, eram bem mais complexos e confusos. Eles iam e voltavam. Nada grave, nada que uma música não pudesse tentar resolver, mas eles nunca acabavam. Sempre iam. E sempre voltavam. Normalmente, uma conversa costuma resolver as “enrolações” entre pessoas, mas não estava dando certo com o coração. De repente porque ele não é uma pessoa. Ou de repente por que as dúvidas que a incomodavam martelavam seu cérebro, mas não seu coração. Será?
Após muito tentar ter uma conversa boa com seu coração, ela desistiu. Resolveu pensar que quem a deixava mesmo confusa era seu cérebro, pois este que bolava as perguntas mais mirabolantes e esquisitas e a fazia pensar em coisas um tanto estranhas. O coração só reagia a isso tudo. Mas ele estava em seu direito. Estava também no direito de não conseguir conversar com ela, afinal, quem era confusa mesmo era ela, ou seu cérebro, e não ele. Ou eram ela e ele e o cérebro. Mas a culpa não era toda do coração, isso não. E, convenhamos, ela sempre soube que seu cérebro sempre serviu mais pra sonhos e estranhices do que para pensar sobre fórmulas químicas e matemáticas, ou seja, pensar no que é fixo e racional, se é que se pode chamar assim.
Mas que chato seria se seu cérebro não a fizesse sonhar! Seu coração seria tão certo e tão... racional! Aí estava ela se dando conta de que a razão nem sempre era o melhor caminho. E afinal, o que é a razão e por que ela se chama assim? Por que a razão é vista como o oposto do coração? Por que o sentimento mais puro de amor e carinho é visto como o contrário da razão? Muitas vezes o caminho do coração era o melhor possível, mesmo indo contra essa tal de razão. Se não fosse pelo caminho de seu coração, por mais confuso que ele fosse, ela não seria quem é, principalmente no momento. Se tivesse deixado as dúvidas de seu cérebro serem maiores do que o que seu coração sentia e dizia, nada seria como seria. No final de uma conversa um tanto louca, chegou à conclusão de que, por mais intrigante que fosse seu coração, ele era sempre o melhor caminho. Ou, pelo menos, seu melhor caminho. E o melhor de tudo: seu coração era algo que ela podia dividir em pedaços imaginários e dedicá-los a cada momento, a cada pessoa especial. E que  o maior desses pedaços pertencia alegre e livremente a alguém. Ele não era totalmente dela. Seu cérebro era. E ela nunca foi egoísta.

Marina Martins

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Doença correspondida


Ela me dizia que o céu estava lindo, mesmo quando estava nublado. Ela me dizia que a praia estava calma, mesmo num domingo ensolarado ao meio-dia com mar revolto. Dizia que o clima estava agradável, mesmo num Rio de Janeiro, em janeiro, no auge do verão. Achava que todos que passavam na rua eram e estavam lindos, mesmo com a roupa mais feia e cafona possível. Dava gorjeta ao vendedor do quiosque, mesmo com o preço do coco tendo aumentado para quatro reais. Ela não se abalava e não se estressava mais com nada. Perguntei a ela o que estava acontecendo, se ela estava cega, surda ou doente. E até para mim tudo ficou mais bonito quando ela disse: “Não estou doente. Só estou apaixonada”. E sorriu.

Marina Martins

178

Uma nova novela

Pra que tanta novela
novamente
com o novo?

São só nove
nuvens
e só
mais neve.
Nem é tão novo.
Então pra que tanta novela
de novo?

Marina Martins

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O sonho de sonhar (direito)

Essa noite eu sonhei que sonhava um sonho e no sonho sonhado do sonho eu sonhava outro sonho. Mas no primeiro sonho eu sonhei que não lembrava do outro sonho e nem do outro sonho. E agora não lembro nem do primeiro sonho. Então pra que sonhar se eu só sonho que sonho? O jeito é sonhar em, um dia, lembrar de sonhar e lembrar o que sonhar.

Marina Martins

177

Descarada mente

A mente
quente
da gente
sente
e mente
na frente
da gente.

Marina Martins

176

Enrolado

Enquanto o menino fala
a bola
rola.
Ele cai
e se rala
e se enrola
quando rola
com a bola.

Marina Martins

Suposta Física

Se as nuvens fossem feitas de algodão
não poderia voar o avião.

Marina Martins

terça-feira, 5 de julho de 2011

Por amor (você já amou hoje?)

Ela sentia-se como um pássaro preso em uma gaiola. Alias, sentia-se apenas em uma gaiola, já que não tinha asas, como um pássaro. Também não se sentia um leão em uma jaula, pois um leão mete medo às pessoas e ela, em seu atual estado, sentia medo das pessoas. Era como se ela fosse prisioneira do mundo e dela mesma. Vivia presa nas quatro paredes de seu quarto e seus sentimentos viviam presos entre das quatro paredes de seu corpo. E eles só escapavam de vez em quando, em forma de lágrimas. Essa não era a forma certa para eles saírem.
Naquela noite, chorava tanto que seus olhos negros pareciam escorrer como lágrimas. Mas era só a maquiagem. As lágrimas escuras e seus soluços altos competiam com a chuva forte que insistia em cair do lado de fora de sua gaiola. Ela odiava chuva, mas naquele momento só pensava em como seria bom voar para fora da gaiola e se molhar inteira com os pingos grossos que caíam freneticamente do céu. Mas não podia. Ela não tinha asas.
Aumentou a música que estava em contato com seus ouvidos e se abraçou deitada em sua cama. Fazia tempo que não amava. Não amava nada nem ninguém nos últimos meses. Só gostava. Pelo menos era o que ela sentia. Sentia falta de conjugar o verbo “amar” e se utilizar do substantivo ou adjetivo “amor”. Queria gritar. Tampou a boca com o travesseiro e gritou. Gritou muito. Sentiria pena se ele tivesse ouvidos, mas ele não tinha. No entanto, isso não bastava. Seus sentimentos continuavam presos, agora em uma fronha. Ela precisava sair, gritar alto, olhando para o alto, e engolir chuva. Deixar de se aprisionar. Mas afinal, o que ou quem a fazia ficar presa em sua gaiola? O que ou quem a impedia de abrir a porta e pegar chuva? Só ela. Ela a impedia de gritar, ela a impedia de sentir, ela a impedia de amar, ela a impedia de sair. Ela e nada ou ninguém mais.
Desligou a música um tanto alta e um tanto triste, engoliu de volta os gritos da fronha, limpou do rosto as linhas escuras desenhadas involuntariamente por suas lágrimas e encheu o peito. Antes de abrir a porta, se olhou no espelho e começou a novamente sentir amor por si mesma. Sorriu. Abriu a porta, fugiu da gaiola, saiu de casa, foi para o meio da rua e gritou. Gritou muito. Gritou alto, olhando para o alto e engoliu chuva. Quem viu a cena, pensou que estava maluca. E estava. Maluca de amar. Maluca de amor. Ela amava a vida, amava as pessoas e, naquele momento, amava até a chuva. Até porque, foi na chuva que gritou, se abraçou, sorriu e outra vez se amou.

Marina Martins

175

Entrando em outro

Para ser poeta
não é preciso estar em livros,
não é preciso ser citado,
basta só uma ou outra palavra incerta.

Para ser escritor
não é necessário ser racional,
não há problema em ser imoral,
basta saber falar de ódio, de amor.

Para fazer prosa ou poesia,
você não precisa ser você,
o importante está no ato de simplesmente escrever,
basta extrair sua tristeza ou alegria.

No papel, sua primeira pessoa
não precisa falar de você,
você pode virar outro alguém ou outro ser
e não se importe se julgam ou não sua arte como boa.

Marina Martins