segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Livres, sozinhas e iguais.

“Liberdade, igualdade e fraternidade”. Que bonito na teoria. Todos nós somos livres e iguais perante a lei. Mas será que é isso mesmo? Falando como uma mulher, que igualdade é essa em que salários de mulheres são, em geral, mais baixos que de homens? Que a política é feita majoritariamente por homens? E que liberdade toda é essa que nós temos? Arrancar os pelos para ficarmos mais bonitas? Escolher a roupa que vamos usar, tomando cuidado para não ser muito curta? Só andar à noite acompanhada de um homem? Passar calada quando você ouve algum tipo de agressão verbal de algum tarado? Não poder abortar um bebê indesejado? Nossa. Como as mulheres são livres hoje em dia! Que bom!
           Hoje, dei uma entrevista sobre assédios que as mulheres sofrem diariamente, além de ter tido a oportunidade de falar um pouquinho sobre a nossa sociedade machista. A entrevista surgiu em cima da hora e foi por conta da página “Hoje eu quero voltar sozinha”, das também estudantes de Comunicação Sofia e Bruna. Eu disse à entrevistadora que tinha acabado de assistir a um filme em uma aula minha e nele tinha uma passagem que me chamou atenção. O filme é de 1959 e nessa passagem um homem fala à sua irmã: “pegue um taxi, uma menina não pode andar sozinha em uma cidade grande, você pode ser abordada, assediada”. Na hora, isso me fez pensar que se passaram 55 anos e nada mudou a respeito disso. Isso tudo tem a ver com o nome da página, que expressa muito bem o que as mulheres sentem. Nós só queremos voltar sozinhas. Só andar. Só isso.
            Vejam bem, não estou aqui dizendo que é errado olhar. Todas as pessoas olham quando acham alguém bonito, atraente. Ok. Mas isso não pode ser confundido com uma invasão a nossa privacidade e nosso corpo. Não, o que nós ouvimos diariamente não são elogios. Seria elogio se um homem me parasse, me pedisse licença e dissesse “nossa, como você é bonita”. Ou se ele simplesmente sorrisse pra mim, eu já entenderia o recado. Eu agradeceria ou sorriria de volta como agradecimento e seguiria meu dia feliz, com a autoestima maior. Mas o que eu ouço, na verdade, é “que delícia”, “que gostosa” e o pior de todos que já escutei: “aí nem, se tu fosse minha namorada, não saía da cama nunca”. A vontade era de mandar se foder, de dar um tapa na cara, mas eu tive medo, eu tenho medo, então só passei direto. Como sempre.
            Hoje mesmo, tive de ir ao Centro da Cidade. Me senti nua. Eu estava arrumadinha para uma entrevista e não parava de ser encarada. Como eu disse, olhar não tem problema, mas é o jeito que olham. Um velho nojento que estava ao meu lado para atravessar a rua ficou me encarando como se eu fosse uma comida fresca e suculenta. Imediatamente eu bufei e troquei de lugar. Isso depois de eu ter pedido uma informação a dois policiais que adoraram a minha presença. O jeito que me olharam, o jeito que um deles me respondeu foi de dar nos nervos. Se eu desse um sorrisinho a mais, já iam achar que eu era a mais nova biscate do pedaço.
Acho que foi por isso que virei feminista. Quando comecei a andar sozinha e ser abordada por homens ou escutar esse tipo de coisa. Eu ouço isso e me sinto pequena, indefesa, inferior. Eu tenho vontade de gritar, xingar, mas tenho muito medo de algo pior acontecer comigo. Eu tenho que amarrar um casaco na minha cintura, para dificultar a visão da minha bunda. Eu tenho que mediar o tamanho do meu short, porque senão minha mãe se preocupa, meu pai se preocupa, eu me preocupo. E, não importa o tamanho do short, eu tenho que descê-lo o máximo possível quando me levando da cadeira do ônibus.

Hoje, eu luto por todos os direitos das mulheres, pela nossa igualdade, pela nossa liberdade. É muito triste eu não me sentir livre ao andar nas ruas. Eu sonho com o dia em que minha filha, ou minha neta, poderá escolher a roupa que ela quiser sem achar que será culpada pelos assédios que sofre. Que ela ganhe os mesmo salários que o meu filho, ou meu neto. Que eles possam ter os mesmos direitos e a mesma importância no mundo. Mas se isso é considerado muito distante, então eu só quero poder voltar sozinha mesmo. Sem mais.

Marina Martins, escrevendo seu milésimo texto sobre o mesmo tema. E continuará escrevendo até que toda essa palhaçada tenha um fim.

sábado, 1 de novembro de 2014

Reflexões



Às vezes, parece que gostamos de sofrer. Vemos nos filmes, na vida real, personagens e pessoas que parecem procurar o sofrimento. E quando vemos isso, na maior parte das vezes, pensamos “nossa, mas esse daí gosta de sofrer!”. Não é verdade. Ninguém – ou pelo menos eu espero – gosta de sofrer. Falamos dos outros e os julgamos, sem perceber que, muitas vezes, nós somo isso. Nós mesmos também corremos atrás do sofrimento, de vez em quando. Insistimos em coisas que nos perturbam, incomodam, esgotam. Nos subestimamos ao ridículo, ao papel de vítima ou de vilão, nos rendemos à raiva, às lágrimas e aos incessantes palavrões. Parafraseando Chico, amamos e odiamos em uma mesma oração. Lembramos e aguardamos ao mesmo tempo, mesmo sabendo que a espera não vai dar em nada. Mas, pelo menos, as lembranças estão lá, mesmo que nos façam sofrer. Esquecer? Talvez. Mas não é tão fácil assim. Muitas vezes, tentamos e não conseguimos. Outras, fingimos que queremos conseguir, mas nem queremos tentar. E mesmo que façamos um esforço, as memórias vêm como uma chuva de verão, que em meio a um céu azul, cai de repente, nos pegam desprevenidos e praticamente nos afogam. Lembranças, lembranças... recordações que nos trazem a dúvida se estamos felizes ou tristes. Estamos escapando da realidade e nos refugiando da loucura ou estamos nos torturando e entrando nela cada vez mais? Perguntas que só o futuro responderá. Quiçá nem ele. Mas o passado ficou e não volta mais. E (in)felizmente ainda não temos uma máquina do tempo.

Marina Martins, Paris 2014

337



4



Perdida no passado

Encontrei-me no presente

Esperando que o futuro

Caia bem na minha frente

Marina Martins, Paris 2014

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Dois



Eu nunca te amei.

Eu te amo.

Às vezes eu te odeio.

Eu nunca te odiei.

Você não é nada.

Você é tudo.

Você às vezes é um pouco.

Você é muito.

Queria sempre te querer menos.

Queria às vezes te querer mais.

Marina Martins, Paris 2014