Ele sentia sua falta. Sentia falta de ser convidado para o seu “queijos e vinhos” especialíssimo, onde ela servia queijo minas no pratinho e um vinho barato num copo normal. Taças jamais. Adorava seu perfume de lavanda da Granado e seu sabonete Phebo para lavar as mãos. Fora os penduricalhos do banheiro, a “porta-cortina” do quarto e a cozinha colorida. Parecia cozinha de boneca. Ele sentia falta da cama no chão, dos pufes estampados e dos móbiles com figuras que transmitiam coisa boa. E do cheiro de incenso espalhado pela casa inteira... E da sua coleção de Matte Limão, no armário e na geladeira. Mas só em garrafas, nunca em copinho. Ela preferia Matte de garrafa. Sem falar do “porta chás”, aqueles da Leão, que vêm em sachês. Mas tinham uns naturais também, colhidos por alguém em algum lugar; talvez viessem de um de seus retiros de ioga. Ou do sítio de sua família na serra do Rio de Janeiro; Itaipava, Araras, tinha se esquecido. E sentia-se péssimo por causa desse esquecimento!
Sentia falta de toda a sua falta de compromissos e rótulos e de seu jeitinho desligado. De toda a sua informalidade. Do jeito dela de se dar a liberdade de ter liberdade. Do seu pijama de universo e sua camisola de seda. E do pijama dos “Bananas de Pijama” e da calça de pijama de histórias em quadrinhos. E do blusão das “Meninas Super Poderosas”. Sentia falta de suas pulseirinhas com forma, que qualquer outra acharia infantil, mas que ela achava lindo. De sua sandalinha cruzada comprada por quinze reais Feira Hippie e de ir com ela à Feira Hippie, pelo menos um domingo por mês. Mas sempre sem nenhum compromisso! De suas comidinhas vegetarianas, ou dos sushis, que aprendeu a fazer em um curso. E do fato de ela se odiar por ainda comer peixe.
E como se já não bastasse toda a falta que ela fazia, ele ainda vivia numa dúvida: será que ela também sentia sua falta? De seu sorriso e sua gargalhada, que ela gostava tanto, de suas covinhas, de seus olhos cor de mel (que só ela achava que eram cor de mel), de seus “All Star” surrados, de seu perfume de “mauricinho” e seus óculos verdes. Será que ela sentia falta de todo o não compromisso que um tinha com o outro?
Até que ele tomou a decisão definitiva: mandou uma carta a ela por correio, sem remetente. Se a resposta da carta chegasse um dia, com qualquer que fosse a resposta, ela sentiria a sua falta. Senão, partiria pra outra. Seria difícil, mas partiria. Foi então que, exatas três semanas depois, ele recebeu uma carta. E era dela. Ele pensou em ir logo atrás dela, sem sequer checar a resposta, mas teve medo. Medo de se machucar ou se impressionar com algum... possível compromisso dela. Abriu a carta. Em um papel pequeno, dentro de um pequeno envelope (para não gastar papel), ele leu, escrito com Stabilo cor de rosa: “eu também sinto sua falta”. Isso já bastou para que ele sentisse seu cheiro de lavanda da Granado, com mãos cheirando a Phebo e cabelos com cheiro de incenso queimado. Seu hálito de Trident de menta ou, se fosse à noite, de chá de camomila. Isso já bastou para que ele percebesse que eles não conseguiam mais viver um sem outro. Não sem compromissos.
Marina Martins, que estava sentido falta de escrever prosas românticas. Mas sem compromissos.