terça-feira, 7 de novembro de 2017

Quando as solidões se buscam e não se encontram

"Porque eu estava sozinho. Talvez só porque eu estava sozinho"
Filme Her (Spike Jonze, 2013)

To carente. Preciso dar uns beijos. Não tem ninguém. Ah vou baixar o Tinder. Vai o Happn também. Vai que. Like like like like meu deus por que não ta dando match? Por que não ta dando crush? Nope nope nope nope nossa só gente péssima. Que descrição é essa? Aff foto sem camisa no espelho não dá. Opa! Crush! Match! Ai que bom, sou bonita. Ai graças a deus, tava começando a achar que tinha algo de errado comigo. Gente, como não deu match com esse? Nossa, quantos matchs e crushs. Ninguém vai puxar assunto não? Vou falar com uns aqui.
Uns, nada.
Outros, um papinho meia boca.
Cansei.
Vou deletar essas merdas.
...
...
...
Nossa, mó carência ne.
...
...
Ah vou baixar de novo aqui o Tinder e o Happn, vai que.


Eu sei que vai ter muita gente se reconhecendo nisso, muito mais do que eu gostaria, porque eu sei que todo esse roteiro é um saco. Como uma amiga disse outro dia, quando ficou tão difícil beijar na boca? Ao que outra respondeu, "é culpa dos apps". E olha, eu vou falar, é verdade. Não vou ficar aqui de a crucificadora dos apps de paquera, como se tivesse repulsa a eles ou nunca tivesse usado, mas ta na hora de falar sobre eles. Ta na hora de refletir sobre o uso e tudo o que ele já me causou, e sei que causa em muitas pessoas. Sei que eles já facilitaram muito a vida de muita gente, já trouxeram muita alegria, até eu já recebi felicidade por causa deles (pelo menos uma ne, obrigada vida). Mas a dinâmica que eles estão causando nas relações ta ficando estranha. A gente desaprendeu a flertar. Não que antes a gente manjasse muito do assunto, mas agora a gente tem muito mais medo de manjar.

Por que quando a gente baixa os apps, fica tão feliz e, depois de algum tempo, sente preguiça e raiva daquilo tudo?

Primeiro tem o deslumbramento da descoberta, a esperança de que aquilo adiante de alguma coisa na nossa vida afetiva, o levantamento de autoestima com cada match/crush, e depois vem aquela sensação de vazio. Aquele enorme vazio causado por combinações sem trocas de olhares, que não dão em absolutamente nada. Não saem daquele universo de sentimentos digitalizados. É muito raro um papo realmente bom. É raríssima uma verdadeira conexão. Com o vazio, vem a desilusão, o não suprimento de uma solidão e a volta de uma carência, uma desesperança em relação a tudo. Ficar passando gente como se fosse num cardápio cansa.

E fiquei refletindo por que a gente faz isso com a gente. E por que ficamos com tanta preguiça disso tudo. E acabamos concluindo de que é ainda pior baixar esses apps quando estamos carentes. E por que nos submetemos mais e mais vezes a isso, até sentir novamente a preguiça e o vazio. E parecemos estar viciados nesse ciclo... vicioso. Viciante.

De chegar ao ponto de marcar de sair com alguém e querer desistir no caminho, e desabafar pra uma amiga: "por que eu me presto a esse papel?". E não é por nada, gente. É legítimo a gente querer conhecer gente nova, a gente querer suprir nossas faltas e desejos. Mas ficamos com preguiça do esforço para que aquela relação saia do celular. E não por preconceito. Porque tem uma diferença enorme entre falar com a pessoa online antes de vê-la ao vivo e conhecer alguém ao vivo para depois conversar online. O começo online não tem flerte, não tem sedução, raramente tem uma conexão, não tem toque, não tem cheiro. Convenhamos. A gente vai encontrar alguém e não sabe se ela fede, se ela tem bafo, se ela tem dente sujo, se aquele início de conexão que tivemos no app é mesmo real ou se é fantasia, tanto quanto o que vendemos de nós mesmos.

Pensando aqui, eu acho que o que falta mesmo nesses apps é o quesito encantamento. Se ele acontece ali, é um encantamento puramente físico, aliás, nem físico, imagético. E se, por vezes for intelectual, é tão superficial. Não tem aquele encantamento físico de olhar praquela pessoa e pensar "caraaaai só me beija" ou o que vai acontecendo aos poucos, conforme a gente conversa com alguém e vai se conectando àquela pessoa.

Eu acho que, no final, os apps acabam fazendo o caminho inverso ao que se propõem. Em vez de darem uma esperança de que podemos sair da fossa e satisfazer um ou outro desejo, acabamos achando que nunca vai rolar nada. Ficamos com aquele pensamento "não é possível, tanta gente aqui e não dou certo com nenhuma?". Talvez. Mas a culpa não é sua. E nem da pessoa que está do outro lado do celular. Ou na verdade a culpa é de todos nós em nosso caminho de tornar as relações humanas superficiais e digitais, com conversinhas banais que quase nunca mostram ao que vieram, que quase nunca colocam um sentimento sincero naquelas palavras digitadas.

Resumindo tudo de forma bem cruel. Sinto que esses apps nos tornam cada vez mais dependentes de um afeto que cada vez menos sabemos dar.

Marina N. Martins