terça-feira, 27 de outubro de 2015

Abrindo a boca (mais uma vez e sempre)

"Querido patriarcalismo,"

Ok, vamos lá. Eu já escrevi textos dessa temática algumas vezes. E enquanto tiver motivo, continuarei escrevendo. Sabem por quê? Porque a pior coisa a se fazer é ficar calada frente a situações absurdas que PRECISAM ser mudadas. Então temos que falar, falar e falar, porque o que incomoda não deve ser o ato de falar sobre, mas sim o “sobre”. Sabem por que a redação do ENEM teve como tema a violência contra a mulher? Porque ela existe. Tão óbvio, não é? E tão triste ser óbvio. Sabe por que também? Porque uns pedófilos machistas fazem questão de comentar sobre a beleza de uma criança de 12 anos de idade, comentários abertamente sexuais, inclusive insinuando estupro. Porque existem Eduardos Cunhas. Porque há pessoas (homens e, pasmem, mulheres) que chamam feminismo de mimimi. Que acham que mulher tem que levar corretivo mesmo pra aprender. Que acham que mulher é inferior. Que acham que qualquer tipo de abordagem na rua, coisa que muitas nós chamamos pelo seu verdadeiro nome, ASSÉDIO, é elogio.

Cara, eu vou ser sincera. Eu vou ser desbocada. Eu vou ser tudo o que eu bem entender nesse texto porque eu to de saco cheio dessa merda toda. Aliás, de saco não, to de peito cheio mesmo. E ainda vou misturar vários assuntos que têm a ver com um só. Vamos por partes.

Primeiramente, gostaria de avisar que vou botar a vagina na mesa nesse texto. Essa história de botar o pau na mesa não cabe a mim, já que não tenho um. E parou de achar que, quando uma pessoa é forte e tem atitude, ela tem colhão. Para quem não sabe, colhão é testículo. Eu conheço muita gente sem colhão que “tem muito mais colhão” do que gente com colhão. E parou também de achar que, quando alguém se mostra poderosA em alguma situação, é porque “tem pau”. E parou de achar que pau é sinônimo de força e poder. Inclusive, comparando aqui rapidinho: da minha vagina, querido, sairá um futuro você, ou seja, um ser humano. Minha tão frágil vagina tem o poder de parir uma cabeça e um corpinho inteiros de um bebê. E no dia seguinte, eu já to andando segurando a criança no colo enquanto ela se alimenta do que sai do meu peito. Enquanto isso, o tal do colhão quase mata um homem de dor quando recebe um chute. Ou seja. Ne? Se é para comparar força, vamos combinar que... Bom, mas a verdade é que órgão sexual não mede a força nem o poder de ninguém. Então vamos parar com essa palhaçada de “botar o pau na mesa” e vamos colocar nossa vaginas na mesa também. Queria dizer, inclusive, que admiro muito as vaginas colocadas na mesa em uma sociedade onde tantos paus já estão sobre ela.

Segundamente, peitos. Parou com isso de ter medo de peito. Peito de mulher é igual a peito de homem, só que é mais cheinho – ou não, aliás. Queridos seres humanos da face da terra inteira, queridos maravilhosos mamíferos, o primeiro alimento da vida de vocês vem de peitos femininos. Sem peitos, não há vida. Somos todos MAMíferos, passamos um tempo recebendo vida de mamas, então vamos parar de proibir a mama da mulher, vamos? Vamos parar de deletar fotos de moças com peitos de fora das redes sociais? Vamos aceitar que a mulher pode pegar um solzinho nos seios pra dar uma bronzeada, se ela quiser? Vamos todo mundo que quiser andar sem camisa pela praia? Essa pressão absurda que as mulheres sofrem para ter o “peito perfeito”, que as faz se submeter a agulhas e implantes e sofrer quando elas se olham no espelho e não veem dois amigos redondos e grandes, vem por causa desse medinho de vocês de peito. Se nós convivêssemos com os lindos peitos das moças que nos cercam, tenho CERTEZA de que seríamos mais desapegadas quanto à estética deles. Tanto que não vejo homens julgando uns os mamilos dos outros. Moral da história, vamos parar de não querer ver mamilo de mulher. Tanta coisa nesse mundo pra se preocupar e a família tradicional brasileira perdendo tempo com mamilo.

Terceiramente, família tradicional brasileira. Amores, quem são vocês? Uma família que não tem nenhum membro que já tenha traído, feito coisas erradas, falado palavrão, beijado alguém do mesmo sexo, usado algum tipo de drogas? Nada disso, nadinha mesmo? Desculpa, não conheço. Alguém me explica que tradição toda é essa, porque to por fora. Mais uma vez, tanta coisa pra se preocupar no mundo e nossos ilustres políticos tradicionalíssimos decidindo o que é família. Kiridos, vão dar um jantar pra sua família tradicional, rezem pelas almas de quem julgam errados e não se metam nas famílias que não são as de vocês. Vocês não são ninguém pra dizer quem é a família de ninguém. QUALQUER família merece ser feliz sem uma merda de uma lei ou coisa que o valha. Daqui a pouco vocês vão querer definir o que? Conceito de amigo? Quer ser tradicional, seja lá o que isso quer dizer, seja. Só não enche o saco de quem quer ser feliz sem a opinião de vocês.

Quartamente, Eduardo Cunha e os migo tudo dele. Mais uma vez, queridos ilustríssimos e tradicionalíssimos seres políticos desse Brasil, vão cuidar de outra coisa. Vai lavar um prato e comer uma pipoca. Vai varrer uma sala. Vai ali dar uma dormidinha, vai se jogar de um penhasco, tudo menos: 1. Se meter na sexualidade dos outros. 2. Se meter na família dos outros. 3. Se meter na religião dos outros. 4. Se meter no útero das outras. Vamos então falar do projeto de lei. Vamos falar de aborto. O PL 5069, criado pelo Du e mais dois migo (tudo homem), quer dificultar ainda mais o aborto. Vou copiar alguns trechos da matéria que saiu no G1.

No caso do estupro, para que um médico possa fazer o aborto, o projeto de lei passa a exigir exame de corpo de delito e comunicação à autoridade policial.
Atualmente, não há necessidade de comprovação ou comunicação à autoridade policial – basta a palavra da gestante.
"Nenhum profissional de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo", diz o texto do projeto.
De acordo com o relator, deputado  Evandro Gussi (PV-SP), o farmacêutico pode deixar de fornecer pílula do dia seguinte, por exemplo, se considerar que isso viola a sua consciência.
 
Nos trechos citados acima, o que podemos ver, caro leitor? Um show de machismo e conservadorismo. Não sei se os senhores criadores desta porra sabem, mas ser mulher nesse país é difícil para cacete. E um dos maiores problemas é o fato das pessoas não acreditarem na nossa palavra. Então, se relatamos um assédio, seja moral ou sexual, um abuso sexual, um estupro ou uma descriminalização por gênero, nós somos histéricas, exageradas, feminazis, malucas, mentirosas, ridículas. A palavra da mulher, muitas vezes, não é validada nem pelas próprias mulheres. E o primeiro trecho que destaquei mostra bem isso. Pelo projeto de lei, a mulher vai ter que sair de um ESTUPRO pra ir fazer EXAME e depois conversar com um policial, se for homem, PIOR AINDA, porque ela ainda pode ter que ouvir “ué, mas também, com esse corpo” e coisas do gênero. O estupro, essa experiência completamente TRAUMÁTICA na vida de um ser humano, deve ser investigado até o fim, com os mínimos detalhes, e tudo isso para impedir que haja um aborto. E por último, eu estou cagando para a consciência dO farmacêuticO, que não tem a merda de um útero e não é ele que não vai parir e cuidar da criança que a grávida carrega. E mesmo se for farmacêutica. Miga, entenda, mulher tem que apoiar mulher. Não é seu útero, não acabe com a vida da outra por causa da SUA consciência e deixa que ela se vira com a DELA. Eu já falei sobre minha opinião a respeito do aborto em outro texto, por isso não vou me estender. Mas eu só quero dizer que gostaria que esse projeto de lei fosse parar em um buraco negro junto com o Cunha e toda a sua trupe reacionária, conservadora, machista, racista e homofóbica. Vocês, que são a família tradicional brasileira, enfiem essa tradição em outro lugar, que não seja nos úteros das mulheres. Não as façam parir frutos de seu machismo.

Por último, não posso deixar de falar sobre feminismo. Volta e meia, tento me lembrar de algum marco que me tenha feito parar e falar: eu sou feminista. Não consigo. Não sei como nem porque, mas sempre soube que feminismo não era oposto de machismo e sempre expliquei isso às pessoas. O que me lembro de mais remoto foi um chute no piru de um menino que me desrespeitava frequentemente na escola e ninguém fazia nada. Eu devia ter uns 4 anos. Depois, uma festinha onde eu devia ter uns 6 me irritei com o animador que brincou que os homens eram mais fortes do que as mulheres, por isso iam ganhar no cabo de guerra. Eu nunca entendi isso e sempre contestei. Aos 8, fiz uma dupla com uma amiga que arranjei em uma pousada e jogamos totó com dois meninos. Eles disseram que íamos perder porque éramos meninas. Fiquei com raiva dele. Nós ganhamos. Fui crescendo assim. Nunca aceitei o lugar de submissa e inferior que a sociedade gosta de enquadrar a mulher. E meus pais me ensinaram que isso não é assim. Hoje, vejo que muitas pessoas ao meu redor já mudaram suas opiniões pelo que digo a elas. Meu namorado, por exemplo. Outro dia, um amigo meu disse até que eu era uma referência, para ele, no assunto. Uma amiga contou que eu abri o olho dela quando falei sobre o direito da mulher de se vestir como quiser, andar na rua como quiser, e não estar pedindo para nenhum cara mexer com ela. E meu peito feminista se enche de orgulho quando vejo que já mudei e que ainda posso mudar a visão de muita gente. Mais uma vez eu quero falar que feminismo é a luta pelos direitos iguais dos homens e das mulheres. NÃO É mimimi. NÃO É opressão (NÃO!!!). NÃO É anti-homem. É só a noção de que somos todos iguais. Todo ser humano é igual. E nossa luta continua porque tem gente que continua sendo machista. Por causa de várias coisas que falei sobre ali em cima. O seu machismo NUNCA vai calar meu feminismo, mas meu feminismo vai sim calar seu machismo. O importante é que nós, que lutamos pelos direitos BÁSICOS das mulheres, não fiquemos calados. Não sei como devo terminar esse texto, talvez porque ele não tenha fim. Talvez porque seja tão incerto como a luta diária que a mulher leva, que ela é. Se isso um dia tiver fim, quem sabe eu não concluo tudo isso sem interrogações? 

Marina N. Martins 

 Aproveito para dizer: assistam a esse vídeo maravilhoso da JoutJout.