quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Paris

Euzinha bem brasileira numa rua bem parisiense,
na Paris Pride,um dos melhores dias que tive nessa cidade.

Muitas pessoas me perguntam sobre como fiz para parar aqui. Respondo diversas dúvidas e ajudo a galera como posso. Já estou há um ano querendo gravar um vídeo sobre o passo a passo de conseguir o mestrado em Paris e dar detalhes sobre todo o pré e o durante, principalmente a chegada. Continuo querendo gravar esse vídeo e tenho fé de que, um dia, ele vai existir. Escrevo muitas coisas sobre a cidade e meu dia-a-dia, mas hoje me toquei de que, mesmo mais de um ano depois da minha chegada, nunca fiz um texto mais prático sobre se estar aqui. Algumas coisas básicas sobre como é morar em Paris – e que são dúvidas frequentes. Então vou aproveitar que passou o momento crise de documentação do dia e que estou na biblioteca pra contar um pouquinho pra vocês.

1.  O que se houve por aí é fato. A burocracia francesa é insuportável. A impressão que eu tenho é que não teve um mês desde que mudei para cá, em que eu não precisei resolver algum perrengue de documentação. É tanto documento que se pede pra estrangeiros, que eu me perco nos nomes. Hoje desabafei pra moça da secretaria. Ela concordou: “ça c’est la France” (a França é assim mesmo).

2. Franceses são obcecados por correio. Tudo é correio. Quer cancelar conta de celular? Correio. Quer mudar o plano de saúde? Correio. “Mas eu já to aqui, moço, será que eu não posso fazer aqui mesmo?”. Não. Correio. Carta carta carta. Essa vibe pré-tecnologia é curiosa – e chata. Eles amam papéis.

3. Falando dessa vibe vintage no tratamento das coisas, as pessoas enviam SMS, usam o celular para ligar e deixam recado na caixa postal. Sim. Isso é muito comum, seja a pessoa que liga pra entrevista de estágio, seja um amigo seu. Que nostalgia de 2008.

4. É raro conhecer parisienses em Paris. Os franceses que conheço normalmente vieram de outra cidade.

5. Paris é conhecida por ter uma população antipática, rabugenta, grossa e fedorenta. Não posso negar. Os próprios franceses não negam. Isso tudo é bem comum aqui mesmo. A galera AMA reclamar. Ama um barraco. Adoram dar de ombros e bufar.

6. Acho que pelo fator acima, Paris é uma cidade da conquista. Você vai conquistando aos poucos as pessoas. A secretária, o garçom, os colegas.

7. Depois da conquista, você vê que as pessoas até são legais, só não são simpáticas mesmo. Nem abertas. Não é um povo que se toca, que se abraça, que se olha. O que é bem estranho pra quem vem do Brasil.

8. Essa vibe fechada é uma dificuldade grande na faculdade, quando você, estrangeiro, chega sozinho e se vê sem amigos. Não é em toda universidade que rola “dia de integração”, principalmente nos mestrados, e não tem esse costume do “bora beber uma cerveja”.

9. Por outro lado, franceses costumam ser bem educados na vida cidadã. Segurar porta, cumprimentar, agradecer, deixar passar na fila no mercado são atitudes comuns. Fora que a galera espera sair do vagão do metrô para poder entrar e respeita em deixar o lado esquerdo da escada rolante liberado. Mesmo que eles sejam um povinho bem apressado aqui nessa cidade.

10. Essa parada da educação também se liga com o fato de que eles são hiper formais. E um dos terrores para nós brasileiros é ter que tratar as pessoas com o pronome “vous”, quando “tu” é muito mais fácil. A gente se confunde bastante.

11. Para lidar com o jeito esquentadinho da francesada, tem todo um aprendizado. Quando eu vi, já sabia como tratar quem me tratava da maneira x, quando levantar minha voz, quando me impor, quando perguntar “porque está me tratando assim” e tudo mais. Tudo uma questão de treinamento. Hoje em dia tiro de letra, francesinho estressado não tem vez com essa brasileirinha de atitude.

12. Franceses são extremamente sistemáticos (às vezes parecem até um pouco maníacos), mesmo que as coisas aqui não sejam tão organizadas quando nós imaginamos que seja. Nem sempre, nem sempre...

13. Os imigrantes costumam ser as pessoas mais legais e compreensivas da cidade. É com eles que eu bato papo fácil, faço amizade, rio. Seguranças de locais, recepcionistas, garçons. Quando são imigrantes, é tudo mais tranquilo. E vale dizer que só quem resolve pepino pra mim não nasceu aqui.

14. Uma das expressões bem recorrentes daqui é “je suis désolé(e)”. Literalmente, “eu sinto muito”. O que pode ser sincero numa situação, mas também pode ser um sinônimo de “foda-se”. Eu digo que o “je suis désolé(e)” é o oposto do jeitinho brasileiro, aquele que a gente usa pro bem, pra se desdobrar e dar um jeito pra gente e pros outros.

15. Beijo sem língua é uma coisa normal nesse país. “Que?” Você me pergunta. Eu não saberia te explicar. Na verdade, há teorias para tal mistério, mas elas variam. O que torna a expressão “french kiss” o maior caô do mundo. E o que torna os beijos um pouco esquisitos, porque brasileiros metem a língua mesmo (graças a deus) e ela fica ali perdida na boca de alguém. Não queiram ter essa experiência. Torçam para a pessoa francesa em que vocês vão dar uns beijinhos não ter tido a língua comida pelo gato.

16. É muito fácil se locomover pela cidade. Uber não é uma realidade pra mim aqui. Mesmo de madrugada, quando não tem mais metrô, tem ônibus noturno. Ta. Eles podem ser meio bizarros às vezes. Mas pelo menos existem.

17. Sim, é uma cidade super cara. Principalmente pra quem vem de um lugar onde o euro está x5 (deus me ajude). Por outro lado, acha-se também coisas bem acessíveis e muitos programas gratuitos. Muitos mesmo. Sem contar que paga-se caro para uma qualidade de vida boa. Um sistema de transportes ótimo, segurança ao andar na rua, essas coisas.

18. Sobre a faculdade aqui, minha experiência (e a de muita gente) é que é uma vibe bem teórica e acadêmica, sem muitas discussões calorosas e alunos não tão participativos em aula. Sinto saudades das salas de aula no Brasil.

19. No início, você pode se incomodar com alguns gestos, manias e expressões francesas. Quando você menos espera, você está usando-as no vocabulário, fazendo barulho de pum com a boca, bufando e levantando o ombro. É um caminho sem volta.

20. Expressões como “ça va”, “cool”, “super”, “bah” são tão maravilhosas que, quando você vê, não as utiliza só quando fala francês, mas falando português também. E não é para se exibir. É porque a gente internaliza mesmo.

Paris é uma cidade foda. É foda. Não tem jeito. Quando me dizem que não gostam, eu tenho duas reações simultâneas: entendo e digo que conheceu errado. Normalmente, é por experiência ruim com a população ou por ter conhecido muitas coisas muito rápido. É claro que os pontos turísticos das cidades são essenciais, mas a Paris fora desse circuito é ainda mais deliciosa. Tem coisa pra caramba pra fazer. Tem muita arte, muita cultura, gente do mundo inteiro. Muita gente bonita, benzadeus. E não to falando de beleza europeia não. To falando da europeia, da latina, da asiática, da africana... das belezas globais que estão nessa cidade. Minha regra em Paris é “um crush a cada esquina” ou “cada vagão, uma paixão” para o caso dos metrôs. Tem eventos de muitos países (inclusive, na minha humilde opinião, as melhores noites aqui são as de rolê brasileiro. Convenhamos que a gente sabe fazer festa). As ruas são lindas, tem cada lugar mais lindo e charmoso do que o outro. O cheiro das padarias e as caras dos produtos são surreais, as vitrines e o cheirinho sempre me atraem. E por mais difícil que seja, por mais sozinho que a gente possa se sentir (porque também é preciso falar da solidão estrangeira – em breve, texto sobre isso), essa cidade tem uma magia muito louca e inexplicável. E mesmo que eu tenha meus dias de estresse, às vezes eu estou andando e simplesmente: Oh là là ! (“eita ferro”, em maravilhosa tradução feita pela Letrux). Eu moro mesmo em Paris.

E isso é bem louco.


Marina N. Martins

sábado, 9 de junho de 2018

Coletor/Copinho Menstrual



Já faz uns meses que uso o coletor menstrual e to pra escrever há um tempo sobre minha experiência. Das primeiras vezes em que ouvir falar sobre ele, tive um super preconceito, achando que era nojento, que ia me incomodar, que era impossível ficar andando com um treco daqueles dentro de mim. Mas aí o tempo foi passando, eu fui começando a olhar o absorvente tradicional de outra forma e a vontade de usar o copinho surgiu mesmo num dia em que assisti a um videozinho falando da quantidade de lixo que produzimos usando absorvente externo e interno. Ah, vale falar também que um dos meus medos de usar o coletor era porque eu nunca me dei bem com OB, e isso porque eu só usava em casos de extrema necessidade como ir a algum lugar onde eu fosse ficar de biquíni. Então eu pensava “se o coletor é ainda maior, como vai dar certo?”. Acontece que a gente aprende que são duas coisas totalmente diferentes e que entram em lugares diferentes! Aproveito a deixa do absorvente interno para dizer o quanto eu sempre detestei isso e, desde muito nova, sou a maior defensora de seu uso apenas em casos extremamente necessários. Desde os meus 13 anos, quando tive minha primeira menstruação, aprendi que usar OB direto faz mal, então, pessoas com vagina, parem de usar esse troço! Real! Parem, porque não faz bem! E eis que, com essa onda toda de métodos alternativos para nossas menstruações, aprendo que o absorvente externo também não é bom para nossas vaginas, é cheio de química.

Bem, dito isso, uma das mudanças que passei desde que me mudei para Paris foi começar a usar o coletor menstrual. Um dia, num impulso, acompanhada e apoiada por um amigo, entrei na farmácia e comprei meu copinho. No começo, eu morria de medo de testar. Achava que ia sofrer um monte colocando aquele troço dentro de mim e já estava até me arrependendo de ter gastado dinheiro com isso. Depois de postar nas redes sociais e mandar mensagens para amigas pedindo dicas, conselhos e força, eu criei coragem para tentar usar meu copinho. Vou começar explicando porque eu amo tanto ele hoje em dia e depois falo de questões práticas – como uma amiga me pediu e como eu pedi também antes de usá-lo.


Hoje em dia, agradeço imensamente por ter vencido o medo e o preconceito do copinho. Por causa dele, aprendi:
11. A não ter mais nenhum nojo de menstruação.
22. Que sangue de menstruação não tem cheiro ruim, o que fica com esse cheiro é o sangue em contato com o absorvente externo (que eu usava).
33.  Que eu menstruo menos do que eu imaginava.
44.  Sobre o formato e a profundidade da minha vagina.
55.  Que óleo de coco lubrifica.

Usando o coletor, eu sinto como se me cuidasse ainda melhor:
11. Por não colocar química nenhuma dentro de mim ou em contato com minha vagina.
22. Temos que passar por um processo de higienização com o copinho que, para mim, é quase como se eu passasse por um pequeno ritual.
33. Me conheço mais internamente (literalmente)
44. Conheço melhor o meu ciclo e o meu sangue. A quantidade, a cor. Inclusive, aprendi que o meu sangue é lindo e ele caindo na privada, ou no chão do box do chuveiro, parece tinta misturada com água. Arte pura.



Hoje, estou completamente adaptada ao coletor. Na minha última menstruação, eu estava viajando e esqueci de levá-lo, então tive que usar absorvente. Foi sofrível. Eu descobri o quanto absorvente (sobretudo daquele estilo “seco”, que é o único que vende na França) me incomoda. Como meu fluxo não é muito intenso, eu posso ficar de boa até 12h com o coletor, o que é ótimo. Eu nem sinto ele dentro de mim. Posso fazer o que for: dormir, dançar, nadar, andar, que não sinto.



Então agora, vamos às questões práticas:

I)                Colocação



Para colocar o coletor pela primeira vez, ouvi dicas de várias pessoas – tiveram duas amigas em específico que foram incríveis, a Vivi e a Vanessa (essa me deu uma aula) – e assisti a alguns vídeos no YouTube. Eles falam sobre os diferentes tipos de dobras, as posições, o cabinho, os tamanhos dos copinhos, enfim, sobre tudinho.
A minha primeira vez foi deitada em uma banheira com as pernas completamente escancaradas, vibes ginecologista, e uma quantidade significativa de lubrificante. Para minha surpresa, não foi tão difícil e deu tudo certo de primeira. Mas no dia seguinte, fui usar e ele me incomodou um pouco, acabei tirando. É tudo uma questão de adaptação. Conforme os meses foram passando, tudo foi melhorando.
Para colocar, cada pessoa vai preferir uma dobra, uma posição. Eu sempre faço a dobra em U, ela dá certo para mim. Sobre a posição, no início eu só conseguia colocar deitada, mas hoje eu já coloco sentada no vaso de boa. E sempre lubrifico um pouco antes! A diferença é que, no início, eu usava lubrificante normal e agora adotei o óleo de coco. Esse oleozinho danado de versátil, natural, cheiroso e que ainda faz bem para nossa vagina (bem mesmo! Ele serve até para passar quando temos candidíase, por exemplo). Então, toda vez antes de colocar o copinho, passo um pouco dele antes. Mas tem que ser pouquinho mesmo, senão fica coisa demais e acaba ficando meio escorregadio.



II)               Cabinho
Todo coletor tem um cabinho, que pode ou não ficar para fora da vagina. Tudo uma questão de tamanho, da vagina e do cabinho. Ele está ali para guiar nossos dedinhos quando formos retirar o copinho (não para puxá-lo! Já explico!). Tem gente que corta um pouco dele, tem gente que corta tudo, tem gente que não corta. É isso, vai variar muito. Eu não precisei cortar nada do meu por exemplo, porque ele fica bem guardadinho aqui dentro. Talvez não seja tão longo, diferente do meu canal vaginal, que acabei descobrindo de uma vez por todas que é.

III)             Retirada
Vou descrever como eu faço. Prefiro tirar o coletor sentada mesmo, ou na privada, ou agachada no box. Com o tempo, a gente vai aprendendo a fazer uma força específica que vai expelindo o bichinho aos poucos. Aí com o indicador e o dedão, eu pego o cabinho, que me guia até o início do coletor. Dou uma apertadinha no copinho, o vácuo que se instala dentro dele sai – fica tranks, que você vai saber quando ele sai, a gente sente um “pf”. É por isso que a gente não pode arrancar o copinho pelo cabo, porque é preciso tirar esse vácuo pra não machucar! Uma vez que eu sinto o “pf”, tiro o copinho e acabou. Sempre achei bem tranquilo de tirar.

IV)             Higiene
Toda vez que eu tiro, lavo com água e sabonete – se possível, um líquido íntimo. Quando o ciclo acaba, faço essa lavagem normal mesmo e o guardo em seu saquinho de algodão, que vem com ele. A cada início de ciclo, é preciso mergulhar o copinho em água fervente. Para isso, eu comprei uma cumbuquinha vermelha só dele. Assim, eu fervo a água, jogo na cumbuca e deixo ele mergulhado lá 3-4 minutos. Depois tiro, seco e deixo esfriar antes de sair colocando (porque não quero queimar a ppk ne).

É basicamente isso. Quis compartilhar a minha experiência, deixando bem claro que é a minha, principalmente pelo fato de que cada pessoa tem uma vagina totalmente diferente. Então umas vão se adaptar, outras não. E a gente vai se descobrindo dia a dia, mês a mês. Além do coletor, hoje também uso a calcinha absorvente (a minha é da Panty’s). Aproveito para usá-la quando a menstruarão já está no final, em vez de usar mini absorvente interno Carefree, por exemplo. Ela é ótima. A única coisa é que custa caro, então eu só tenho uma, aí não dá para usar durante todo o ciclo.


Também queria dizer que nem tudo são flores com o coletor. Porém, a gente acaba se acostumando e se adaptando com o tempo. Por que estou dizendo isso:
11. Precisar tirar e colocar o coletor num banheiro público, por exemplo, é meio chato. Porque isso significa lavar as mãos antes, entrar na cabine, tirar, sair da cabine (cheia de papel higiênico dentro da calcinha), lavar o coletor na pia, voltar para a cabine e colocá-lo de volta. Meio perrengue, ne? Principalmente em banheiro cheio. Principalmente, ainda, se for um banheiro não tão limpinho. Por exemplo, quando fui pegar avião menstruada, usando copinho há só dois meses, preferi usar absorvente, porque morri de medo de ter que tirá-lo naquele banheiro mínimo e, ainda por cima, vai que bate uma turbulência? Cruz credo, ia parecer banheiro de filme de terror.
22. Vamos passar para uma intimidade agora, mas é importante compartilhar (até porque ninguém tinha me falado disso antes!). Nos primeiros meses, quando eu ia no banheiro para fazer  nº2 (que fofa), com a força natural que fazemos para tal, o copinho meio que dava uma saída e não voltava mais. Aí tinha que tirar, botar, aquela coisa toda. Mas acho que isso rolou porque 1) talvez eu ainda não estivesse totalmente adaptada, 2) talvez ele não estivesse ainda perfeitamente encaixado. E hoje, já consigo diferenciar melhor as forças diferentes que fazemos no banheiro (rs), xixi, cocô, expelir copinho. Com o tempo, a gente aprende.

Fora isso, hoje sou uma enorme defensora do coletor menstrual. Ele me faz um bem enorme, já estou bem adaptada. Mesmo se às vezes coloco mal, eu tiro sem problemas, boto de novo, já está tudo super natural. Eu amo ter esse contato maior com meu fluxo menstrual, meu ciclo, sinto que entendo meu corpo melhor. Ah sim! E mesmo o preço, que de cara parece meio alto (uns 80 reais), vale super a pena, porque o coletor dura muito, então vai compensar os pacotes de absorventes!

Aproveitando o assunto, queria indicar o app Clue, que eu uso para acompanhar meu ciclo. Ele é mara. Além da gente colocar sobre fluxo de sangue, tem muitas outras opções que você pode botar dia por dia. Dores, acne, sexo, vontades, humor... é ótimo!



Pra fechar:
Menstruação não é feio.
Menstruação não é sujo.
Menstruação é lindo, é saúde (ou sinal de ausência de), é vida.

Amemos nossos corpos e respeitemos nossos sangues. <3 o:p="">





Marina N. Martins

quarta-feira, 21 de março de 2018

Leiam aqui, moços (e moças)

@yogiyoni via @tiny_clementine_art

Esse é um texto dedicado às mulheres que transam com homens e adereçado aos homens que transam com mulheres. Ou enfim, dedicado e inspirado em relatos de pessoas com vaginas que têm experiências sexuais com homens heterossexuais. Um texto que, quem sabe, um dia vira vídeo. Um texto que venho há muito querendo fazer, mas acabo me bloqueando, porque sexo é tabu. Mesmo eu, uma pessoa normalmente tranquila pra falar de sexo e sexualidade, que sempre teve um super espaço para diálogo em casa, ainda me vejo bloqueada em certos aspectos quando o assunto é esse. Por mais de boas que a gente seja, não é com todo mundo que a gente fala sobre isso ne?

Mas depois de tanto e tanto (e tanto!) conversar com amigas, ler e ouvir histórias, a necessidade de botar tudo para fora e tornar essa questão - esse PROBLEMA - pública(o), falou mais alto do que uma possível vergonha. E vergonha nem sei de quê, porque vamos lá, eu não estou me guardando para o casamento e as pessoas sabem disso. Galera, eu transo. Galera, mas quero transar melhor e as miga também quer.

Eu não sou a pessoa mais experiente do mundo, mas eu sou uma pessoa que escuta moças mais e menos experientes no assunto. E que quer ajudar as futuras ex-virgens a se abrirem e serem felizes e saberem que O PRAZER DELAS IMPORTA.


Então, resolvi escrever isso aqui, baseada no famoso “entendeu ou quer que eu desenhe?”. Não fui eu que desenhei, mas peguei lindas ilustrações – foi até difícil selecionar. No final do texto, vou indicar uns instagram massa pra vocês vasculharem.

Então, senhoras e senhores, eu vim aqui falar de prazer feminino (e vaginal). Mais especificamente de um sexo heterossexual que anda decepcionando muita mina por aí. A verdade é que é ASSUSTADORA a quantidade de mulheres que compartilha da mesma dor: a de não sair satisfeita do sexo. Motivos? Vários. Tantos que estão nos fazendo perder a paciência e sentir preguiça de ter uma relação sexual com um cara. Vou ser bem professoral e apontar questões que tanto escuto.




1.     O pênis. Não, não to falando de formato nem de tamanho. Quero dizer que, galera, SEXO NÃO É SÓ PENETRAÇÃO. A maioria das pessoas têm mãos e lábios e língua e tantas outras partes do corpo pra usar e explorar.





2.     Você gozou antes de rolar penetração, TA TUDO BEM. Acontece! Mas imagina que maneiro se esse mulherão da porra que ta aí do seu lado também alcançasse o prazer que nem você? Bora se esforçar? Para isso existem diversas maneiras. No basicão, uma mão e uma boca dão conta do recado. Se joga migo. Do seu lado, tem uma pessoa com um corpo inteiro para ser explorado COM CONSENTIMENTO (óbvio, sempre ne). E se não sabe muito bem o que fazer, PERGUNTA. Não tem problema perguntar, muito pelo contrário.


@juliet_allen

3.     O clitóris. Aí, na moral. Perdemos a paciência pra macho que NÃO SABE ONDE FICA. PORRA GALERA. NÃO TEM COMO DEFENDER. Google imagens. Livro de biologia. Até em vídeo pornô (mas cuidado com eles porque... bem, vou chegar lá). E se não sabe mesmo, mas sabe que ELE EXISTE, pergunta pra mina. Melhor passar vergonha perguntando do que passando a mão num lugar que CLARAMENTE cê nem sabe o que ta fazendo. Nesse caso, a mina – principalmente a que é mais tímida pra falar – vai ficar com uma cara de “que porra é essa”. Poupa essa cara e dá uma perguntada, vai por mim.



@clubclitoris

4.     A falta do olhar. Olho no olho é massa, gente. Isso serve para a vida. Falar olhando no olho, ouvir olhando no olho. No sexo não é diferente, é bom rolar uma troca de olhares. É bom estar atento ao que a pessoa do teu lado ta sentindo, e ela vai mostrar muito isso com as expressões. Bora se tocar, mas bora se olhar também.





5.     O sexo oral. Primeiramente, sem nojinho, né? A maioria das ppk é bem limpinha, assim como a maioria dos seus miguxos deveria ser também. Segundamente, FAÇAM. Até hoje, nunca ouvi uma mina dizer que não curte. Inclusive, MUITO PELO CONTRÁRIO. Se não sabe o que fazer, mais uma vez, PERGUNTA. Aliás, fica a dica, fazer é a melhor forma de treinar. E sobre o sexo oral em vocês: nunca, jamais, EM HIPÓTESE ALGUMA, force uma mina a fazer. Isso serve para QUALQUER COISA NO MUNDO, mas é muito comum acontecer no oral. Ta errado isso aí que vocês aprendem em vídeo pornô. Ta errado enfiar o piru na cara de uma moça, ta errado empurrar a cabeça dela, isso tudo costuma ser bem abusivo (cada pessoa curte um troço, eu não tenho nada a ver com isso, mas de início, vamos NÃO fazer?).







uma musiquinha procês se inspirá

6.     Pelos. Este item é só para dizer que nem toda mulher se depila e cada uma deixa os pelinhos d’um jeito. E isso não deveria ser um problema e a gente espera que não seja. E isso não serve só para a virilha, mas pro corpo todo. Beijos.



@yogiyoni via @tsurufoto

7.     O vídeo pornô. Cheguei nele! A maioria de nossos meninos aprende a transar vendo pornografia. Porque a maior parte não tem um espaço para dialogar sobre isso. Aí vocês ficam assistindo esses vídeos, em sua ESMAGADORA maioria feito por e para homens heterossexuais, em que o prazer do homem é sempre o que mais importa. Vocês crescem achando que é assim, que o que reina no sexo é o pênis e o auge de tudo é a ejaculação masculina. Nada disso. Por exemplo. Existe uma categoria de pornô, que aprendi num documentário*, em que homens forçam mulheres a fazer sexo oral até vomitarem. Sim, isso existe e existe nesses grandes sites que vocês com certeza já visitaram. É um estupro filmado e, muitas vezes, é real. Aquela atriz está realmente sendo obrigada àquilo. E outra. Saibam que a indústria pornô é bem opressiva em relação às atrizes. Aproveito para indicar o documentário* Hot Girls Wanted, da Netflix.

8.     O diálogo. Um grande problema nosso é morrer de medo de falar. Não falar o que gosta quando sente vontade, o que não gosta quando o negócio não ta bom e nem perguntar para a outra pessoa quando bate a dúvida. A nossa vergonha acaba atrapalhando muita coisa que poderia ser resolvida. Bora falar, povo! Não gostou de um troço, fala. Ta vendo que o mano não ta sabendo muito o que ou como fazer, explica. Ta se amarrando ali no troço, diz também (ou mostra ne). Tudo não seria bem mais simples? Vamos se esforçar e encorajar as manas!





Então é basicamente isso.
Mujeres, se quiserem adicionar algo, me mandem, o prazer será todo meu (risos).
Hombres, vamos se esforçar, vamos? Se se esforçar direitinho, todo mundo goza 😉
E MUITO importante:
CAMISINHA É TOP! Se proteger direitinho, todo mundo se diverte, sem pegar doença e sem ter neném fora de hora. Massa.
Pessoas, mulheres transam e mulheres gozam e o nosso prazer importa. Espero não chocar a família tradicional brasileira e seu eu chocar, caguei, ninguém paga minhas contas.




Você pode substituir sua pornografia por (conversar com suas amigas e crushs e parar de pensar só com a cabeça de baixo, mas também):
@regards_coupables – essas imagens eróticas incríveis em fundo branco que compartilhei aqui
@petitesluxures – também ilustrações eróticas e uns trocadilhos
@nudegrafia – mais ilustrações eróticas
(todos esses trazem sexo hetero, homo e bissexual)<3 o:p="">
@stephanie_sarley – essa mina genial transformou comida em pornografia
@thenakedbeauties – altas imagens lindas do universo feminino/feminista
@the.vulva.gallery – procês verem como existem tantos tipos de ppks
@yogiyoni – altas ppks pra vocês também
@clubclitoris – mais ppks
@tsurufoto – artista
@laysealmadaart – artista brasileira que faz ilustrações, tatuagens... e tem uma série de desenhos chamada “me deixa gozar”
(pelamor, não to comparando nada deles com pornografia, e sim indicando por serem maravilhosos, criativos poéticos, artísticos)


Marina N. Martins

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Quando as solidões se buscam e não se encontram

"Porque eu estava sozinho. Talvez só porque eu estava sozinho"
Filme Her (Spike Jonze, 2013)

To carente. Preciso dar uns beijos. Não tem ninguém. Ah vou baixar o Tinder. Vai o Happn também. Vai que. Like like like like meu deus por que não ta dando match? Por que não ta dando crush? Nope nope nope nope nossa só gente péssima. Que descrição é essa? Aff foto sem camisa no espelho não dá. Opa! Crush! Match! Ai que bom, sou bonita. Ai graças a deus, tava começando a achar que tinha algo de errado comigo. Gente, como não deu match com esse? Nossa, quantos matchs e crushs. Ninguém vai puxar assunto não? Vou falar com uns aqui.
Uns, nada.
Outros, um papinho meia boca.
Cansei.
Vou deletar essas merdas.
...
...
...
Nossa, mó carência ne.
...
...
Ah vou baixar de novo aqui o Tinder e o Happn, vai que.


Eu sei que vai ter muita gente se reconhecendo nisso, muito mais do que eu gostaria, porque eu sei que todo esse roteiro é um saco. Como uma amiga disse outro dia, quando ficou tão difícil beijar na boca? Ao que outra respondeu, "é culpa dos apps". E olha, eu vou falar, é verdade. Não vou ficar aqui de a crucificadora dos apps de paquera, como se tivesse repulsa a eles ou nunca tivesse usado, mas ta na hora de falar sobre eles. Ta na hora de refletir sobre o uso e tudo o que ele já me causou, e sei que causa em muitas pessoas. Sei que eles já facilitaram muito a vida de muita gente, já trouxeram muita alegria, até eu já recebi felicidade por causa deles (pelo menos uma ne, obrigada vida). Mas a dinâmica que eles estão causando nas relações ta ficando estranha. A gente desaprendeu a flertar. Não que antes a gente manjasse muito do assunto, mas agora a gente tem muito mais medo de manjar.

Por que quando a gente baixa os apps, fica tão feliz e, depois de algum tempo, sente preguiça e raiva daquilo tudo?

Primeiro tem o deslumbramento da descoberta, a esperança de que aquilo adiante de alguma coisa na nossa vida afetiva, o levantamento de autoestima com cada match/crush, e depois vem aquela sensação de vazio. Aquele enorme vazio causado por combinações sem trocas de olhares, que não dão em absolutamente nada. Não saem daquele universo de sentimentos digitalizados. É muito raro um papo realmente bom. É raríssima uma verdadeira conexão. Com o vazio, vem a desilusão, o não suprimento de uma solidão e a volta de uma carência, uma desesperança em relação a tudo. Ficar passando gente como se fosse num cardápio cansa.

E fiquei refletindo por que a gente faz isso com a gente. E por que ficamos com tanta preguiça disso tudo. E acabamos concluindo de que é ainda pior baixar esses apps quando estamos carentes. E por que nos submetemos mais e mais vezes a isso, até sentir novamente a preguiça e o vazio. E parecemos estar viciados nesse ciclo... vicioso. Viciante.

De chegar ao ponto de marcar de sair com alguém e querer desistir no caminho, e desabafar pra uma amiga: "por que eu me presto a esse papel?". E não é por nada, gente. É legítimo a gente querer conhecer gente nova, a gente querer suprir nossas faltas e desejos. Mas ficamos com preguiça do esforço para que aquela relação saia do celular. E não por preconceito. Porque tem uma diferença enorme entre falar com a pessoa online antes de vê-la ao vivo e conhecer alguém ao vivo para depois conversar online. O começo online não tem flerte, não tem sedução, raramente tem uma conexão, não tem toque, não tem cheiro. Convenhamos. A gente vai encontrar alguém e não sabe se ela fede, se ela tem bafo, se ela tem dente sujo, se aquele início de conexão que tivemos no app é mesmo real ou se é fantasia, tanto quanto o que vendemos de nós mesmos.

Pensando aqui, eu acho que o que falta mesmo nesses apps é o quesito encantamento. Se ele acontece ali, é um encantamento puramente físico, aliás, nem físico, imagético. E se, por vezes for intelectual, é tão superficial. Não tem aquele encantamento físico de olhar praquela pessoa e pensar "caraaaai só me beija" ou o que vai acontecendo aos poucos, conforme a gente conversa com alguém e vai se conectando àquela pessoa.

Eu acho que, no final, os apps acabam fazendo o caminho inverso ao que se propõem. Em vez de darem uma esperança de que podemos sair da fossa e satisfazer um ou outro desejo, acabamos achando que nunca vai rolar nada. Ficamos com aquele pensamento "não é possível, tanta gente aqui e não dou certo com nenhuma?". Talvez. Mas a culpa não é sua. E nem da pessoa que está do outro lado do celular. Ou na verdade a culpa é de todos nós em nosso caminho de tornar as relações humanas superficiais e digitais, com conversinhas banais que quase nunca mostram ao que vieram, que quase nunca colocam um sentimento sincero naquelas palavras digitadas.

Resumindo tudo de forma bem cruel. Sinto que esses apps nos tornam cada vez mais dependentes de um afeto que cada vez menos sabemos dar.

Marina N. Martins