quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Paris

Euzinha bem brasileira numa rua bem parisiense,
na Paris Pride,um dos melhores dias que tive nessa cidade.

Muitas pessoas me perguntam sobre como fiz para parar aqui. Respondo diversas dúvidas e ajudo a galera como posso. Já estou há um ano querendo gravar um vídeo sobre o passo a passo de conseguir o mestrado em Paris e dar detalhes sobre todo o pré e o durante, principalmente a chegada. Continuo querendo gravar esse vídeo e tenho fé de que, um dia, ele vai existir. Escrevo muitas coisas sobre a cidade e meu dia-a-dia, mas hoje me toquei de que, mesmo mais de um ano depois da minha chegada, nunca fiz um texto mais prático sobre se estar aqui. Algumas coisas básicas sobre como é morar em Paris – e que são dúvidas frequentes. Então vou aproveitar que passou o momento crise de documentação do dia e que estou na biblioteca pra contar um pouquinho pra vocês.

1.  O que se houve por aí é fato. A burocracia francesa é insuportável. A impressão que eu tenho é que não teve um mês desde que mudei para cá, em que eu não precisei resolver algum perrengue de documentação. É tanto documento que se pede pra estrangeiros, que eu me perco nos nomes. Hoje desabafei pra moça da secretaria. Ela concordou: “ça c’est la France” (a França é assim mesmo).

2. Franceses são obcecados por correio. Tudo é correio. Quer cancelar conta de celular? Correio. Quer mudar o plano de saúde? Correio. “Mas eu já to aqui, moço, será que eu não posso fazer aqui mesmo?”. Não. Correio. Carta carta carta. Essa vibe pré-tecnologia é curiosa – e chata. Eles amam papéis.

3. Falando dessa vibe vintage no tratamento das coisas, as pessoas enviam SMS, usam o celular para ligar e deixam recado na caixa postal. Sim. Isso é muito comum, seja a pessoa que liga pra entrevista de estágio, seja um amigo seu. Que nostalgia de 2008.

4. É raro conhecer parisienses em Paris. Os franceses que conheço normalmente vieram de outra cidade.

5. Paris é conhecida por ter uma população antipática, rabugenta, grossa e fedorenta. Não posso negar. Os próprios franceses não negam. Isso tudo é bem comum aqui mesmo. A galera AMA reclamar. Ama um barraco. Adoram dar de ombros e bufar.

6. Acho que pelo fator acima, Paris é uma cidade da conquista. Você vai conquistando aos poucos as pessoas. A secretária, o garçom, os colegas.

7. Depois da conquista, você vê que as pessoas até são legais, só não são simpáticas mesmo. Nem abertas. Não é um povo que se toca, que se abraça, que se olha. O que é bem estranho pra quem vem do Brasil.

8. Essa vibe fechada é uma dificuldade grande na faculdade, quando você, estrangeiro, chega sozinho e se vê sem amigos. Não é em toda universidade que rola “dia de integração”, principalmente nos mestrados, e não tem esse costume do “bora beber uma cerveja”.

9. Por outro lado, franceses costumam ser bem educados na vida cidadã. Segurar porta, cumprimentar, agradecer, deixar passar na fila no mercado são atitudes comuns. Fora que a galera espera sair do vagão do metrô para poder entrar e respeita em deixar o lado esquerdo da escada rolante liberado. Mesmo que eles sejam um povinho bem apressado aqui nessa cidade.

10. Essa parada da educação também se liga com o fato de que eles são hiper formais. E um dos terrores para nós brasileiros é ter que tratar as pessoas com o pronome “vous”, quando “tu” é muito mais fácil. A gente se confunde bastante.

11. Para lidar com o jeito esquentadinho da francesada, tem todo um aprendizado. Quando eu vi, já sabia como tratar quem me tratava da maneira x, quando levantar minha voz, quando me impor, quando perguntar “porque está me tratando assim” e tudo mais. Tudo uma questão de treinamento. Hoje em dia tiro de letra, francesinho estressado não tem vez com essa brasileirinha de atitude.

12. Franceses são extremamente sistemáticos (às vezes parecem até um pouco maníacos), mesmo que as coisas aqui não sejam tão organizadas quando nós imaginamos que seja. Nem sempre, nem sempre...

13. Os imigrantes costumam ser as pessoas mais legais e compreensivas da cidade. É com eles que eu bato papo fácil, faço amizade, rio. Seguranças de locais, recepcionistas, garçons. Quando são imigrantes, é tudo mais tranquilo. E vale dizer que só quem resolve pepino pra mim não nasceu aqui.

14. Uma das expressões bem recorrentes daqui é “je suis désolé(e)”. Literalmente, “eu sinto muito”. O que pode ser sincero numa situação, mas também pode ser um sinônimo de “foda-se”. Eu digo que o “je suis désolé(e)” é o oposto do jeitinho brasileiro, aquele que a gente usa pro bem, pra se desdobrar e dar um jeito pra gente e pros outros.

15. Beijo sem língua é uma coisa normal nesse país. “Que?” Você me pergunta. Eu não saberia te explicar. Na verdade, há teorias para tal mistério, mas elas variam. O que torna a expressão “french kiss” o maior caô do mundo. E o que torna os beijos um pouco esquisitos, porque brasileiros metem a língua mesmo (graças a deus) e ela fica ali perdida na boca de alguém. Não queiram ter essa experiência. Torçam para a pessoa francesa em que vocês vão dar uns beijinhos não ter tido a língua comida pelo gato.

16. É muito fácil se locomover pela cidade. Uber não é uma realidade pra mim aqui. Mesmo de madrugada, quando não tem mais metrô, tem ônibus noturno. Ta. Eles podem ser meio bizarros às vezes. Mas pelo menos existem.

17. Sim, é uma cidade super cara. Principalmente pra quem vem de um lugar onde o euro está x5 (deus me ajude). Por outro lado, acha-se também coisas bem acessíveis e muitos programas gratuitos. Muitos mesmo. Sem contar que paga-se caro para uma qualidade de vida boa. Um sistema de transportes ótimo, segurança ao andar na rua, essas coisas.

18. Sobre a faculdade aqui, minha experiência (e a de muita gente) é que é uma vibe bem teórica e acadêmica, sem muitas discussões calorosas e alunos não tão participativos em aula. Sinto saudades das salas de aula no Brasil.

19. No início, você pode se incomodar com alguns gestos, manias e expressões francesas. Quando você menos espera, você está usando-as no vocabulário, fazendo barulho de pum com a boca, bufando e levantando o ombro. É um caminho sem volta.

20. Expressões como “ça va”, “cool”, “super”, “bah” são tão maravilhosas que, quando você vê, não as utiliza só quando fala francês, mas falando português também. E não é para se exibir. É porque a gente internaliza mesmo.

Paris é uma cidade foda. É foda. Não tem jeito. Quando me dizem que não gostam, eu tenho duas reações simultâneas: entendo e digo que conheceu errado. Normalmente, é por experiência ruim com a população ou por ter conhecido muitas coisas muito rápido. É claro que os pontos turísticos das cidades são essenciais, mas a Paris fora desse circuito é ainda mais deliciosa. Tem coisa pra caramba pra fazer. Tem muita arte, muita cultura, gente do mundo inteiro. Muita gente bonita, benzadeus. E não to falando de beleza europeia não. To falando da europeia, da latina, da asiática, da africana... das belezas globais que estão nessa cidade. Minha regra em Paris é “um crush a cada esquina” ou “cada vagão, uma paixão” para o caso dos metrôs. Tem eventos de muitos países (inclusive, na minha humilde opinião, as melhores noites aqui são as de rolê brasileiro. Convenhamos que a gente sabe fazer festa). As ruas são lindas, tem cada lugar mais lindo e charmoso do que o outro. O cheiro das padarias e as caras dos produtos são surreais, as vitrines e o cheirinho sempre me atraem. E por mais difícil que seja, por mais sozinho que a gente possa se sentir (porque também é preciso falar da solidão estrangeira – em breve, texto sobre isso), essa cidade tem uma magia muito louca e inexplicável. E mesmo que eu tenha meus dias de estresse, às vezes eu estou andando e simplesmente: Oh là là ! (“eita ferro”, em maravilhosa tradução feita pela Letrux). Eu moro mesmo em Paris.

E isso é bem louco.


Marina N. Martins

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