To carente. Preciso dar uns
beijos. Não tem ninguém. Ah vou baixar o Tinder. Vai o Happn também. Vai que.
Like like like like meu deus por que não ta dando match? Por que não ta dando
crush? Nope nope nope nope nossa só gente péssima. Que descrição é essa? Aff foto
sem camisa no espelho não dá. Opa! Crush! Match! Ai que bom, sou bonita. Ai
graças a deus, tava começando a achar que tinha algo de errado comigo. Gente,
como não deu match com esse? Nossa, quantos matchs e crushs. Ninguém vai puxar
assunto não? Vou falar com uns aqui.
Uns, nada.
Outros, um papinho meia boca.
Cansei.
Vou deletar essas merdas.
...
Uns, nada.
Outros, um papinho meia boca.
Cansei.
Vou deletar essas merdas.
...
...
...
Nossa, mó carência ne.
Nossa, mó carência ne.
...
...
Ah vou baixar de novo aqui o Tinder e o Happn, vai que.
Ah vou baixar de novo aqui o Tinder e o Happn, vai que.
Eu sei que vai ter muita
gente se reconhecendo nisso, muito mais do que eu gostaria, porque eu sei que
todo esse roteiro é um saco. Como uma amiga disse outro dia, quando ficou tão
difícil beijar na boca? Ao que outra respondeu, "é culpa dos apps". E
olha, eu vou falar, é verdade. Não vou ficar aqui de a crucificadora dos apps
de paquera, como se tivesse repulsa a eles ou nunca tivesse usado, mas ta na
hora de falar sobre eles. Ta na hora de refletir sobre o uso e tudo o que ele
já me causou, e sei que causa em muitas pessoas. Sei que eles já facilitaram
muito a vida de muita gente, já trouxeram muita alegria, até eu já recebi
felicidade por causa deles (pelo menos uma ne, obrigada vida). Mas a dinâmica
que eles estão causando nas relações ta ficando estranha. A gente desaprendeu a
flertar. Não que antes a gente manjasse muito do assunto, mas agora a gente tem
muito mais medo de manjar.
Primeiro tem o deslumbramento da descoberta, a esperança de que aquilo adiante de alguma coisa na nossa vida afetiva, o levantamento de autoestima com cada match/crush, e depois vem aquela sensação de vazio. Aquele enorme vazio causado por combinações sem trocas de olhares, que não dão em absolutamente nada. Não saem daquele universo de sentimentos digitalizados. É muito raro um papo realmente bom. É raríssima uma verdadeira conexão. Com o vazio, vem a desilusão, o não suprimento de uma solidão e a volta de uma carência, uma desesperança em relação a tudo. Ficar passando gente como se fosse num cardápio cansa.
E fiquei refletindo por que a gente faz isso com a gente. E por que ficamos com tanta preguiça disso tudo. E acabamos concluindo de que é ainda pior baixar esses apps quando estamos carentes. E por que nos submetemos mais e mais vezes a isso, até sentir novamente a preguiça e o vazio. E parecemos estar viciados nesse ciclo... vicioso. Viciante.
De chegar ao ponto de marcar de sair com alguém e querer
desistir no caminho, e desabafar pra uma amiga: "por que eu me presto a
esse papel?". E não é por nada, gente. É legítimo a gente querer conhecer
gente nova, a gente querer suprir nossas faltas e desejos. Mas ficamos com
preguiça do esforço para que aquela relação saia do celular. E não por
preconceito. Porque tem uma diferença enorme entre falar com a pessoa online
antes de vê-la ao vivo e conhecer alguém ao vivo para depois conversar online.
O começo online não tem flerte, não tem sedução, raramente tem uma conexão, não
tem toque, não tem cheiro. Convenhamos. A gente vai encontrar alguém e não sabe
se ela fede, se ela tem bafo, se ela tem dente sujo, se aquele início de
conexão que tivemos no app é mesmo real ou se é fantasia, tanto quanto o que
vendemos de nós mesmos.
Pensando aqui, eu acho que o que falta mesmo nesses apps é o
quesito encantamento. Se ele acontece ali, é um encantamento puramente físico,
aliás, nem físico, imagético. E se, por vezes for intelectual, é tão
superficial. Não tem aquele encantamento físico de olhar praquela pessoa e
pensar "caraaaai só me beija" ou o que vai acontecendo aos poucos,
conforme a gente conversa com alguém e vai se conectando àquela pessoa.
Eu acho que, no final, os apps acabam fazendo o caminho
inverso ao que se propõem. Em vez de darem uma esperança de que podemos sair da
fossa e satisfazer um ou outro desejo, acabamos achando que nunca vai rolar
nada. Ficamos com aquele pensamento "não é possível, tanta gente aqui e
não dou certo com nenhuma?". Talvez. Mas a culpa não é sua. E nem da
pessoa que está do outro lado do celular. Ou na verdade a culpa é de todos nós
em nosso caminho de tornar as relações humanas superficiais e digitais, com
conversinhas banais que quase nunca mostram ao que vieram, que quase nunca
colocam um sentimento sincero naquelas palavras digitadas.
Resumindo tudo de forma bem cruel. Sinto que esses apps nos
tornam cada vez mais dependentes de um afeto que cada vez menos sabemos dar.
Marina N. Martins
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