Hoje, assisti à peça do ator, dançarino e amigo Márcio
Januário, o Marcinho. Chamada de Tratado nº5, a peça tem como personagem um “preto,
pobre, viado e favelado”, nas palavras do próprio ator, diretor e autor. Nela,
ele fala sobre a origem das favelas, as favelas, o preconceito contra
favelados, gays, negros e pobres, dentre outras coisas. Ao final, ele disse que
não conseguiu escrever um fim para a peça e pediu para que nós pensássemos carinhosamente
sobre um final para ele, para nós. Saí de lá pensando e resolvi escrever. Então,
este texto dedico a você, Marcinho.
Pensei num fim. Mas o problema dele é que é um pouco utópico.
E eu, sinceramente, detesto dizer isso. Me entristece achar que a igualdade e o
respeito plenos nunca serão alcançados, e por isso são utópicos, mesmo que eu
espere pelo contrário. Enfim. Ontem, assisti ao filme “12 Anos de Escravidão”,
que me fez chorar copiosamente. Mais do que por conta das cenas de violência, chorei
porque a violência só tinha negros como alvos. Animais, cachorros, macacos,
idiotas... assim eram chamados. Tratados como animais selvagens. Pior. Como lixo.
O filme, assim como a peça do Marcinho, me inspira a escrever esse texto.
Então, primeiramente, no meu final não existe mais
racismo. Os negros e os brancos finalmente entendem que somos todos iguais e
que a cor da pele só nos difere fisicamente. Assim como a cor do cabelo. O peso.
A altura. Os pelos. As roupas. E por aí vai. Depois, no meu final, a palavra “favelado”
perde o sentido pejorativo com o qual é utilizado por muitos membros da elite. Favelado
é quem mora em favela, mas não é bandido, não é sujo, não é marginal. Favelado é
aquele que conversa com o vizinho (mesmo que ele more há quilômetros de distância),
que trata bem ricos, pobres e gringos e a galera da “pista” quando visitamos as
favelas. É aquele que pede para ser fotografado, dá mole pras “patricinhas do
Leblon” e faz comidas baratas e deliciosas (coisa rara no asfalto). As pessoas da
elite passam a entender que gente pobre é muito mais rica do que gente rica em
vários aspectos. Elas param de fazer “caridade” e passam a exercer sua solidariedade.
Ah sim, e elas param de dizer que “bandido bom é bandido morto” e, antes de
falar isso, procuram saber quem é esse bandido e porque ele fez o que fez.
No meu final, as pessoas lembram da homofobia com
vergonha e desprezo, assim como a maioria lembra do holocausto. Quem é linchado
é aquele que ousa espancar um homossexual pelo simples fato de ele gostar de
homens. Elas pensam que a frase “prefiro ter um filho drogado do que um filho gay”
é deplorável e nojenta. Ah, e que não faz o menor sentido, pois o inverso de
gay não é ser drogado. Elas não precisam mais explicar a seus filhos que “tem menina
que beija menina” e “ tem menino que beija menino” porque eles já nascem tendo
isso como algo natural. E respeitam a sexualidade de qualquer um, sejam seus
pais, irmãos, filhos, primos, tios, amigos, professores, médicos, chefes,
empregados...
Resumindo, no meu utópico final, o preconceito acaba. Se
não acaba, é mínimo. E quem é punido não são os que sofrem com ele, mas sim os
que o praticam, seja de forma oral ou física. No fim, as pessoas se respeitam e
se entendem, convivem e se aceitam. Os pobres gostam dos ricos e os ricos dos
pobres – na verdade, numa maior utopia ainda, não existe desigualdade. Os pretos
e brancos percebem que a mistura de cores sempre originou, na história da
humanidade, coisas maravilhosas. A pista vai pra favela e a favela vai pra
pista. O Leblon come churrasco no Vidigal e o Vidigal dá mergulho na piscina do
Leblon, porque os favelados e os burguesinhos são amigos. Os filhos gays não
são expulsos de casa por seus pais. Os travestis podem trabalhar como engenheiros,
professores, médicos. As transexuais são chamadas de elas. As lésbicas podem se
beijar, sem que os homens as interrompam perguntando se elas topam um ménage a trois. Os gays podem pegar
praia deitados na mesma canga, sem ser só na Farme. Para terminar, no meu final
só existe respeito e amor. E se não gosta, cara, fica na tua.
Marina Martins