quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

(Sem) Sutiã



Créditos: achei no Pinterest

Peitos. Assim que começaram a aparecer, fui ensinada a escondê-los. Afinal, nossa sociedade não está preparada para recebê-los, insistindo em recusá-los. Quando mais nova, eu me obrigava não só a tapar meus peitos, como a esconder os sutiãs que usava. Nada poderia ser mostrado, nem mesmo as alcinhas. Mas fui crescendo e querendo que meus peitos fossem mais notáveis. Não os mamilos, claro. Esses jamais podem aparecer. Eu queria meus peitos grandes, redondos, pontudos e iguais. Ah, e juntos, para poder ficar bonito com um decote. Como eles não obedeciam às minhas vontades, decidi falsificá-los e passei a usar sutiãs de enchimento. Eles deixavam meus peitos lindos, redondos... e falsos. Mas, pelo menos, escondia a diferença de tamanho que havia entre eles e forjava um tamanho considerado aceitável por mim mesma. Os meus peitos e mamilos me incomodavam muito. Eles foram um peso muito grande na minha adolescência. Eu estava decidida que colocaria silicone no futuro, a dúvida estava apenas em quando: ao completar 18 anos ou depois de amamentar meus futuros nenéns? Eu pensava no silicone como uma solução para a anormalidade que eram meus peitos, na minha cabeça. Um dos meus maiores medos de pré-adolescência era saber que um dia eu tiraria meu sutiã na frente de um cara.

O tempo passou. Arrumei um namorado. Fui amadurecendo. O enchimento dos sutiãs foi diminuindo e virando bojo. Percebi que a ideia do silicone era uma loucura para alguém que tem pavor de agulhas e cirurgias, como eu. E percebi que o dinheiro que gastaria com isso era abusivo, sendo que ele seria gasto para que eu me enquadrasse em um padrão imposto por uma sociedade patriarcal, machista, consumista, capitalista e objetificante. Uma sociedade que quer igualar corpos e mentes. Que rejeita a diferença. Uma sociedade que faz uma adolescente se sentir um lixo por ter peitos pequenos, mamilos grandes e um peito maior do que o outro. Que a faz se sentir feia, errada e desproporcional ao se olhar no espelho. Uma sociedade que cria humanos que acham uma vulgaridade uma mulher andar sem sutiã. Uma sociedade que prende e repreende uma mulher sem camisa, quando deveria ser um direito dela, assim como é do homem. Não estou atacando sutiãs e dizendo que eles são ruins, mas apenas defendendo a liberdade de uma pessoa ao escolher se quer ou não colocar um sutiã, sem ser julgada e regulada.

Pois bem. De uns tempos para cá, ando tentando ter uma relação melhor com meus peitos. As mulheres de minha família (avó, tias, primas, irmã e mãe) me ajudaram muito e sempre, tratando peitos como algo natural e belo. Assim como meu pai. Minhas amigas me ajudaram. Meu namorado. A luta feminista. Até a JoutJout, garota de 24 anos que faz vídeos no YouTube me ajudou. O Corpo Cru, meu projeto fotográfico, me ajudou – e muito. Foi graças aos meus peitos que a ideia dele me veio. E foi graças a ele que criei coragem de falar deles. É também por ele que pude ouvir o que uma mulher sofre e ama por ser quem é, do jeito que é. É por ele que posso dizer a cada mulher o quanto ela é bela por ser ela.

Por conta de uma blusa mal cortada que fazia parte do figurino de uma peça, tive que desistir do bojo e usar um sutiã normal, para que meus peitos não aparecessem. Esse sutiã faz parte de uma coleção de sutiãs sem bojo herdados da minha irmã quando eu era mais nova, e que decidi guardar por ter a esperança de conseguir usá-los um dia. Desde a peça, comecei a tentar levar o figurino para a vida real. Ontem, fui vestir uma regata. Quando peguei um sutiã de bojo, olhei para ele, joguei na cama e peguei um sem. Consegui sair de casa assim. Hoje, a mesma coisa. Outro dia, usei um vestido sem sutiã. Ele nunca precisou de sutiã, na verdade. Mas na minha cabeça todos iam reparar se eu não estivesse de sutiã. Quando saí na rua, vi o quão libertador era não estar com um tomara-que-caia de bojo me apertando e escorregando.

O desapego dos bojos não deveria ser tão difícil. E essa dificuldade é cruel. Meninas, às vezes literalmente, se torturam e se matam em busca de uma perfeição que não existe. Uma perfeição construída e ditada por um sistema. É muito triste ver uma menina sofrendo por seus peitos, porque o que ela tem é diferente do que ela vê na mídia. É cruel sentir vergonha dos seus peitos, sentir-se inferior apenas por não preencher decotes. É muito chato ter o corpo regulado o tempo todo. O sutiã, por exemplo, deveria ser uma escolha, não uma imposição. Não deveria ser uma decisão tão intensa o ato de não usá-lo. Moças, vamos aceitar nossos peitos. E moços também. Deveríamos ter a liberdade de tê-los livres quando quiséssemos, assim como os homens têm. Uma historinha: fiquei com meu namorado, pela primeira vez, aos 16 anos. Estávamos na praia, ou seja, eu estava de biquíni. Eu fiquei feliz, pensando no quanto ele me aceitava, pois “me viu de biquíni, viu que eu tenho peito pequeno e, ainda assim, quis ficar comigo”. Sim, eu pensei nisso. Moças, vamos combinar, se algum dia um cara ou uma mulher recusar vocês por seus peitos, agradeça por isso ter acontecido e joga a pessoa fora. Isso aconteceu pra você nunca mais olhar na cara dela. Vocês não se merecem. Você merece muito mais e a pessoa não merece você com seus lindos e únicos peitos.

Eu nunca imaginei que fosse conseguir publicar um texto falando sobre peitos. Era um assunto realmente delicado para mim, mas graças a muitas coisas e pessoas, isso está mudando. Por último, quero dizer que é realmente muito difícil esperar algo bom de uma sociedade que não consegue aceitar nem um peito. Não suporta conviver com mamilos (femininos!), a não ser que o contexto deles seja sexual. Mulheres, ainda temos muito a mostrar para esse mundo com nossos peitos enormes, mínimos, redondos, desproporcionais, nossos mamilos que acendem faróis e marcam nas roupas. É muito difícil se desprender do padrão, eu digo por mim, mas olhem... é libertador. Quanto mais você se desprende, mais você se liberta, mais você percebe o quão cruel é o que ele faz com você e o quão melhor é você se aceitar. A luta é difícil, mas vamos em frente. E de peito aberto.

Marina N. Martins