Em uma terça-feira de uma semana qualquer, eu descobri o que é surtar. Aliás, seria uma semana qualquer se não fosse uma semana de provas. Realmente, se fosse uma semana como outra qualquer, eu não teria surtado. Já estou acostumada com crises de choro e de raiva com relação à matemática, mas nunca tinha passado por surtos mais do que psicológicos. Surtos generalizados. E tudo graças a uma matéria de escola que eu não vou usar nunca na minha vida; o que eu tinha que aprender dela, eu aprendi nos meus primeiros quatro ou cinco anos após a alfabetização. Desde muito pequena, eu sempre soube que nunca seria engenheira. Nunca nem passou pela minha cabeça ser economista. Muito menos matemática. Para se ter uma ideia, minha primeira nota “ruim” em matemática foi na quarta série, ou seja, eu não nasci pra ela.
Eu e a matemática nunca tivemos uma relação muito boa, de repente por ela ser tão dona da verdade, complicada e exigir tanto de mim. Nunca cobrei nada dela, não entendo porque ela cobra de mim. E ela está em todas as outras matérias que me fazem entrar em crise. Matérias aquelas que não me fariam entrar em crise se não incluíssem matemática. Também nunca passou pela minha cabeça ser química ou física, então permanece a pergunta: aonde querem me levar fazendo-me estudar algo que eu não gosto, não entendo e não vou usar? A resposta é clara, querem me fazer passar no vestibular. Assim, entrarei na faculdade que eu escolher e, adivinhem só, eu não necessitarei nunca mais das especificidades das matérias exatas.
Acho que para o sistema escolar é simplesmente prazeroso ver os alunos estudarem o que não gostam. A partir de certa idade, já estamos bem grandinhos para sabermos o que gostamos ou não gostamos de estudar. Sei que há os que não gostam de nada e não querem nada com a vida, mas eu não tenho nada a ver com isso. Se eles estão numa escola e são vagabundos, não faria diferença se não estivessem em lugar nenhum, só no mundinho deles, concorda?
Enfim. Durante meu surto, pensei em um vestibular inovador, mas não quero me tratar dele agora. Pensei também que, se eu não sou boa nas exatas, por que simplesmente a escola não me dá notas pelo o que eu escrevo, por um talento que eu tenho? Se a escola tem uma necessidade tão grande de julgar pessoas por números, que me julguem então por algo que sou boa. Mas e se me derem notas ruins? Não estou nem aí. Números não julgam a pessoa que sou, não me alteram. Eu deveria reagir assim ao receber minhas notas de matemática, mas infelizmente não consigo, pois a escola me faz precisar de notas boas para passar de ano. A escola tenta me fazer acreditar que sou um número ou uma nota, mas eu sou muito mais do que isso. Falo por mim, falo por todos.
Todos nós somos muito mais do que uma nota baixa, do que um zero, do que um dez, do que um seis. Todos nós somos pessoas, e não números. Temos sentimentos, emoções e peculiaridades e foi exatamente por isso que nascemos como gente e não como objetos. Nós não fomos construídos, nos construímos; coisas que só pessoas podem fazer. Nascemos com a missão de sermos quem somos, e não quem a escola quer que sejamos. Nascemos com o simples objetivo de nascer, viver e deixar morrer (como já dizia um tal de Paul McCartney, “to live and let die”). Mesmo que precisemos desses malditos números para nos formar e, finalmente, escolher o que vamos fazer, não podemos deixar que eles nos afetem. É claro que devemos melhorar eles, pois senão a escola não acaba nunca. Mas entrar em crise por causa de uma nota baixa? Jamais. E eu tenho que aprender isso. Eles nos provam, nos reprovam, nos testam, nos detestam, nos passam, nos prendem, mas nós somos muito mais do que eles pensão que somos. Então, mesmo com notas baixas, eu ainda crio novas esperanças quando falo para mim mesma: você é muito mais do que essa nota.
Marina Martins, em um profundo desabafo de semana de provas