“Liberdade, igualdade e fraternidade”. Que bonito na
teoria. Todos nós somos livres e iguais perante a lei. Mas será que é isso
mesmo? Falando como uma mulher, que igualdade é essa em que salários de
mulheres são, em geral, mais baixos que de homens? Que a política é feita
majoritariamente por homens? E que liberdade toda é essa que nós temos? Arrancar
os pelos para ficarmos mais bonitas? Escolher a roupa que vamos usar, tomando
cuidado para não ser muito curta? Só andar à noite acompanhada de um homem? Passar
calada quando você ouve algum tipo de agressão verbal de algum tarado? Não poder
abortar um bebê indesejado? Nossa. Como as mulheres são livres hoje em dia! Que
bom!
Hoje, dei uma entrevista sobre
assédios que as mulheres sofrem diariamente, além de ter tido a oportunidade de
falar um pouquinho sobre a nossa sociedade machista. A entrevista surgiu em
cima da hora e foi por conta da página “Hoje eu quero voltar sozinha”, das
também estudantes de Comunicação Sofia e Bruna. Eu disse à entrevistadora que
tinha acabado de assistir a um filme em uma aula minha e nele tinha uma
passagem que me chamou atenção. O filme é de 1959 e nessa passagem um homem
fala à sua irmã: “pegue um taxi, uma menina não pode andar sozinha em uma
cidade grande, você pode ser abordada, assediada”. Na hora, isso me fez pensar
que se passaram 55 anos e nada mudou a respeito disso. Isso tudo tem a ver com
o nome da página, que expressa muito bem o que as mulheres sentem. Nós só
queremos voltar sozinhas. Só andar. Só isso.
Vejam bem, não estou aqui dizendo
que é errado olhar. Todas as pessoas olham quando acham alguém bonito,
atraente. Ok. Mas isso não pode ser confundido com uma invasão a nossa
privacidade e nosso corpo. Não, o que nós ouvimos diariamente não são elogios. Seria
elogio se um homem me parasse, me pedisse licença e dissesse “nossa, como você
é bonita”. Ou se ele simplesmente sorrisse pra mim, eu já entenderia o recado. Eu
agradeceria ou sorriria de volta como agradecimento e seguiria meu dia feliz,
com a autoestima maior. Mas o que eu ouço, na verdade, é “que delícia”, “que
gostosa” e o pior de todos que já escutei: “aí nem, se tu fosse minha namorada,
não saía da cama nunca”. A vontade era de mandar se foder, de dar um tapa na
cara, mas eu tive medo, eu tenho medo, então só passei direto. Como sempre.
Hoje mesmo, tive de ir ao Centro da
Cidade. Me senti nua. Eu estava arrumadinha para uma entrevista e não parava de
ser encarada. Como eu disse, olhar não tem problema, mas é o jeito que olham. Um
velho nojento que estava ao meu lado para atravessar a rua ficou me encarando
como se eu fosse uma comida fresca e suculenta. Imediatamente eu bufei e
troquei de lugar. Isso depois de eu ter pedido uma informação a dois policiais
que adoraram a minha presença. O jeito que me olharam, o jeito que um deles me
respondeu foi de dar nos nervos. Se eu desse um sorrisinho a mais, já iam achar
que eu era a mais nova biscate do pedaço.
Acho que foi por isso que virei feminista. Quando comecei
a andar sozinha e ser abordada por homens ou escutar esse tipo de coisa. Eu ouço
isso e me sinto pequena, indefesa, inferior. Eu tenho vontade de gritar,
xingar, mas tenho muito medo de algo pior acontecer comigo. Eu tenho que
amarrar um casaco na minha cintura, para dificultar a visão da minha bunda. Eu tenho
que mediar o tamanho do meu short, porque senão minha mãe se preocupa, meu pai
se preocupa, eu me preocupo. E, não importa o tamanho do short, eu tenho que
descê-lo o máximo possível quando me levando da cadeira do ônibus.
Hoje, eu luto por todos os direitos das mulheres, pela
nossa igualdade, pela nossa liberdade. É muito triste eu não me sentir livre ao
andar nas ruas. Eu sonho com o dia em que minha filha, ou minha neta, poderá
escolher a roupa que ela quiser sem achar que será culpada pelos assédios que
sofre. Que ela ganhe os mesmo salários que o meu filho, ou meu neto. Que eles
possam ter os mesmos direitos e a mesma importância no mundo. Mas se isso é
considerado muito distante, então eu só quero poder voltar sozinha mesmo. Sem mais.
Marina Martins, escrevendo seu milésimo texto sobre o mesmo tema. E continuará escrevendo até que toda essa palhaçada tenha um fim.