Euzinha bem brasileira numa rua bem parisiense, na Paris Pride,um dos melhores dias que tive nessa cidade. |
Muitas pessoas me perguntam sobre como fiz para parar aqui. Respondo
diversas dúvidas e ajudo a galera como posso. Já estou há um ano querendo
gravar um vídeo sobre o passo a passo de conseguir o mestrado em Paris e dar
detalhes sobre todo o pré e o durante, principalmente a chegada. Continuo
querendo gravar esse vídeo e tenho fé de que, um dia, ele vai existir. Escrevo muitas
coisas sobre a cidade e meu dia-a-dia, mas hoje me toquei de que, mesmo mais de
um ano depois da minha chegada, nunca fiz um texto mais prático sobre se estar
aqui. Algumas coisas básicas sobre como é morar em Paris – e que são dúvidas
frequentes. Então vou aproveitar que passou o momento crise de documentação do
dia e que estou na biblioteca pra contar um pouquinho pra vocês.
1. O que se houve por
aí é fato. A burocracia francesa é insuportável. A impressão que eu tenho é que
não teve um mês desde que mudei para cá, em que eu não precisei resolver algum
perrengue de documentação. É tanto documento que se pede pra estrangeiros, que
eu me perco nos nomes. Hoje desabafei pra moça da secretaria. Ela concordou: “ça
c’est la France” (a França é assim mesmo).
2. Franceses são obcecados por correio. Tudo é correio. Quer cancelar
conta de celular? Correio. Quer mudar o plano de saúde? Correio. “Mas eu já to
aqui, moço, será que eu não posso fazer aqui mesmo?”. Não. Correio. Carta carta
carta. Essa vibe pré-tecnologia é curiosa – e chata. Eles amam papéis.
3. Falando dessa vibe vintage no tratamento das coisas, as pessoas
enviam SMS, usam o celular para ligar e deixam recado na caixa postal. Sim. Isso
é muito comum, seja a pessoa que liga pra entrevista de estágio, seja um amigo
seu. Que nostalgia de 2008.
4. É raro conhecer parisienses em Paris. Os franceses que
conheço normalmente vieram de outra cidade.
5. Paris é conhecida por ter uma população antipática,
rabugenta, grossa e fedorenta. Não posso negar. Os próprios franceses não negam.
Isso tudo é bem comum aqui mesmo. A galera AMA reclamar. Ama um barraco. Adoram
dar de ombros e bufar.
6. Acho que pelo fator acima, Paris é uma cidade da
conquista. Você vai conquistando aos poucos as pessoas. A secretária, o garçom,
os colegas.
7. Depois da conquista, você vê que as pessoas até são
legais, só não são simpáticas mesmo. Nem abertas. Não é um povo que se toca,
que se abraça, que se olha. O que é bem estranho pra quem vem do Brasil.
8. Essa vibe fechada é uma dificuldade grande na faculdade,
quando você, estrangeiro, chega sozinho e se vê sem amigos. Não é em toda
universidade que rola “dia de integração”, principalmente nos mestrados, e não
tem esse costume do “bora beber uma cerveja”.
9. Por outro lado, franceses costumam ser bem educados na
vida cidadã. Segurar porta, cumprimentar, agradecer, deixar passar na fila no
mercado são atitudes comuns. Fora que a galera espera sair do vagão do metrô
para poder entrar e respeita em deixar o lado esquerdo da escada rolante liberado.
Mesmo que eles sejam um povinho bem apressado aqui nessa cidade.
10. Essa parada da educação também se liga com o fato de que
eles são hiper formais. E um dos terrores para nós brasileiros é ter que tratar
as pessoas com o pronome “vous”, quando “tu” é muito mais fácil. A gente se
confunde bastante.
11. Para lidar com o jeito esquentadinho da francesada, tem
todo um aprendizado. Quando eu vi, já sabia como tratar quem me tratava da
maneira x, quando levantar minha voz, quando me impor, quando perguntar “porque
está me tratando assim” e tudo mais. Tudo uma questão de treinamento. Hoje em
dia tiro de letra, francesinho estressado não tem vez com essa brasileirinha de
atitude.
12. Franceses são extremamente sistemáticos (às vezes parecem
até um pouco maníacos), mesmo que as coisas aqui não sejam tão organizadas
quando nós imaginamos que seja. Nem sempre, nem sempre...
13. Os imigrantes costumam ser as pessoas mais legais e
compreensivas da cidade. É com eles que eu bato papo fácil, faço amizade, rio. Seguranças
de locais, recepcionistas, garçons. Quando são imigrantes, é tudo mais tranquilo.
E vale dizer que só quem resolve pepino pra mim não nasceu aqui.
14. Uma das expressões bem recorrentes daqui é “je suis
désolé(e)”. Literalmente, “eu sinto muito”. O que pode ser sincero numa
situação, mas também pode ser um sinônimo de “foda-se”. Eu digo que o “je suis
désolé(e)” é o oposto do jeitinho brasileiro, aquele que a gente usa pro bem,
pra se desdobrar e dar um jeito pra gente e pros outros.
15. Beijo sem língua é uma coisa normal nesse país. “Que?” Você
me pergunta. Eu não saberia te explicar. Na verdade, há teorias para tal
mistério, mas elas variam. O que torna a expressão “french kiss” o maior caô do
mundo. E o que torna os beijos um pouco esquisitos, porque brasileiros metem a
língua mesmo (graças a deus) e ela fica ali perdida na boca de alguém. Não queiram
ter essa experiência. Torçam para a pessoa francesa em que vocês vão dar uns
beijinhos não ter tido a língua comida pelo gato.
16. É muito fácil se locomover pela cidade. Uber não é uma
realidade pra mim aqui. Mesmo de madrugada, quando não tem mais metrô, tem
ônibus noturno. Ta. Eles podem ser meio bizarros às vezes. Mas pelo menos existem.
17. Sim, é uma cidade super cara. Principalmente pra quem vem
de um lugar onde o euro está x5 (deus me ajude). Por outro lado, acha-se também
coisas bem acessíveis e muitos programas gratuitos. Muitos mesmo. Sem contar
que paga-se caro para uma qualidade de vida boa. Um sistema de transportes
ótimo, segurança ao andar na rua, essas coisas.
18. Sobre a faculdade aqui, minha experiência (e a de muita
gente) é que é uma vibe bem teórica e acadêmica, sem muitas discussões
calorosas e alunos não tão participativos em aula. Sinto saudades das salas de
aula no Brasil.
19. No início, você pode se incomodar com alguns gestos,
manias e expressões francesas. Quando você menos espera, você está usando-as no
vocabulário, fazendo barulho de pum com a boca, bufando e levantando o ombro. É
um caminho sem volta.
20. Expressões como “ça va”, “cool”, “super”, “bah” são tão
maravilhosas que, quando você vê, não as utiliza só quando fala francês, mas
falando português também. E não é para se exibir. É porque a gente internaliza
mesmo.
Paris é uma cidade foda. É foda. Não tem jeito. Quando me
dizem que não gostam, eu tenho duas reações simultâneas: entendo e digo que
conheceu errado. Normalmente, é por experiência ruim com a população ou por ter
conhecido muitas coisas muito rápido. É claro que os pontos turísticos das
cidades são essenciais, mas a Paris fora desse circuito é ainda mais deliciosa.
Tem coisa pra caramba pra fazer. Tem muita arte, muita cultura, gente do mundo
inteiro. Muita gente bonita, benzadeus. E não to falando de beleza europeia não.
To falando da europeia, da latina, da asiática, da africana... das belezas
globais que estão nessa cidade. Minha regra em Paris é “um crush a cada esquina”
ou “cada vagão, uma paixão” para o caso dos metrôs. Tem eventos de muitos
países (inclusive, na minha humilde opinião, as melhores noites aqui são as de rolê
brasileiro. Convenhamos que a gente sabe fazer festa). As ruas são lindas, tem
cada lugar mais lindo e charmoso do que o outro. O cheiro das padarias e as caras dos produtos são surreais, as vitrines e o cheirinho sempre me atraem. E por mais difícil que seja,
por mais sozinho que a gente possa se sentir (porque também é preciso falar da
solidão estrangeira – em breve, texto sobre isso), essa cidade tem uma magia
muito louca e inexplicável. E mesmo que eu tenha meus dias de estresse, às vezes
eu estou andando e simplesmente: Oh là là ! (“eita ferro”, em maravilhosa tradução
feita pela Letrux). Eu moro mesmo em Paris.
E isso é bem louco.
Marina N. Martins