terça-feira, 23 de setembro de 2014

Receita da mulher moderna



É difícil ser bonito. E caro. Mas mais complicado do que ser bonito é ser bonita. Na nossa sociedade, isso dá muito mais trabalho e é muito mais exigido das mulheres que elas sejam bonitas do que dos homens. E o que é ser bonita? Não sei, só sei que esse papo de beleza natural não ta mais tão em alta hoje em dia. Um peito caído ali, um rosto sem maquiagem aqui, umas celulitezinhas lá, umas dobrinhas na barriga acolá... tudo gorda. Nada natural, gorda. A cultura de massa tem o prazer de nos ensinar que ser bonita é ser loura, lisa, alta, magra – mas com curvas, claro – mas não muitas curvas, claro –, ter peitão – mas não deixar cair, claro – ter bundão, – mas tudo tem um limite, claro. Legal mesmo é colocar silicone se você tem peito pequeno, malhar bastante os glúteos se você tem celulite, passar bastante produtos se você tem estrias, passar a cera no corpo todo se você tem muitos pelos, mas os cabelos, deixa bem grande. E, de preferência, clareia. Vai clareando, clareia cada vez mais e vira logo loura. E alisa. Deixa bem liso, bem escorrido (bem seco ou bem oleoso). Esse pneuzinho que você tem aí embaixo, se mata de fazer abdominais pra ele sumir, porque barriga boa é barriga reta. Hoje em dia, até quadradinho é melhor do que isso aí que você tem. Quanto as suas pernas, querida, que sejam finas. Mas não tão finas. Malha elas pra engrossar um pouquinho. Mas que não fiquem tão grossas! Se bem que, hoje em dia, já não sei de mais nada... essa coisa de mulher cavalo ta tão em alta, que, pra alguns, ser bonita é ter perna gigante! Agora, pernas gordas, jamais! Mas você pode ter uma indecisão, e eu te entendo: ser magérrima ou ser maromba? Difícil de escolher.

Esses padrões de beleza estão gerando mulheres cada vez mais neuróticas com seu corpo, mas não de maneira saudável. O que está em jogo não é saúde, mas sim a busca pelo corpo perfeito – que, afinal, o que é ele? Quem tem ele? Ele é aquele corpo todo construído a base de... dietas naturais? Nada, aquilo ali é tudo Photoshop! E iluminação. E bronze falso. E peito falso. Até bunda falsa. E, claro, muita maquiagem. A onda agora é se culpar por comer doce, é beber suco detox, é fazer mil e uma dietas, é tomar proteína, bomba, sei lá o que mais! A saúde, graças a esses falsos corpos que são vendidos a nós, virou paranoia. Paranoia essa que gera mulheres cada vez mais deformadas; extremamente fortes como as marombeiras, anoréxicas como as modelos. E as mulheres estão cada vez se julgando mais, dizendo “ai que gorda”, “que perna gorda”, essas coisas ridículas que passaram a definir seres humanos. Aproveito para deixar aqui a “Receita de Mulher” feita por Vinicius de Moraes. Afinal, já dizia o poeta “as muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”. Tão fundamental que passamos muito mais do que deveríamos nos preocupando com ela, gastando com ela e plastificando-a.

Marina Martins

Dualidade



Quantas mulheres precisarão ser mortas em clínicas clandestinas de aborto...

Para que a prática seja legalizada?

Para que elas aprendam a se proteger e não tirar futuras vidas?



Quantos homossexuais precisarão ser linchados...

Até que todos percebam que homossexualidade não é crime, mas homofobia é?

Para que eles parem de ficar se agarrando no meio da rua? Nem hetero faz isso!



Quantos negros precisarão ser discriminados...

Para que todos entendam que ser negro não é ser diferente?

Até eles se conformarem com o fato de que nasceram diferentes?



Quantos pobres precisarão ser injustiçados...

Para que a justiça passe a considerar ricos e pobres iguais?

Para que eles entendam que os ricos são judicialmente privilegiados?



Quantas mulheres precisarão ser estupradas...

Para que a sociedade machista entenda que existe uma cultura do estupro e lute contra ela?

Para que elas parem de ficar usando shortinho?



Quantos palestinos terão que morrer...

Para Israel parar de matar?



Quantos israelenses terão que morrer...

Para que a Palestina pare de matar?



Tudo tem dois lados. Basta julgar qual o mais plausível e saber qual é o seu.

Marina Martins

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Paixão Passageira

Já estava lá há dez minutos. “Filho da puta!” – o ônibus tinha passado direto do ponto. Ela teve que esperar mais quinze para vir outro, que quase não parou também, mas teve de parar quando ela praticamente se jogou na frente dele. Abriu a porta e ela entrou, atabalhoada.
- Assim ce é atropelada, menina, cuidado...
“Ah! Vai se foder!”
- É, moço, mas cê podia ter parado né! Se isso tivesse acontecido, eu não precisaria correr aquele risco.
Deu “bom-dia” ao trocador, que não tinha culpa da situação, e passou pela catraca, descabelada e desastrada. Levantou o olhar e gelou. “Meus deus, que lindo!”. Sentou estrategicamente no banco à diagonal dele, para poder vê-lo melhor. Ele olhou para trás, para ela, ela viu, ele disfarçou. Ela sorriu e o corpo já não era mais o mesmo. Lembrou que estava descabelada, ajeitou os cabelos, a roupa, a postura. Com a música no ouvido, começou a pensar no rosto dele, nos olhos, nos cabelos, nas roupas, na postura. Até no brinco, que ele não precisava ter, mas que nele dava um charme. “Será que tem tatuagens? Que as unhas são limpas? Ah, o pé é, e ele ta de chinelo! Ai, que pé bonito...”. Ficou olhando o mar, enquanto não parava de pensar nele “será que ainda está me olhando?”.

- Oi, posso sentar?
- Ah, oi, claro, claro. “Cacete, ele veio pra cá. Age naturalmente”.
Ele ainda está de pé.
- Ah! A mochila! Desculpa, deixa eu tirar ela daqui.
- Haha, brigada. E aí, como cê chama?
“Até o sotaque paulista caiu bem nele.”
- Laura.
- Eu sou Henrique.
“Droga! Esqueci de perguntar de volta!”
- Cê é do Rio mesmo?
- Aham. E você de São Paulo, né?
- Isso, mas moro aqui há um tempo.
- Por que?
“Ai meu deus, que pergunta mais direta.”
- Eu estudo aqui.
- O que?
“Laura, o que está acontecendo? Naturalmente!”
- Estudo Ciências Políticas e faço um curso de Artes Plásticas.
“Poderia ser mais perfeito?”
- Olha! Que maneiro!
- É... eu gosto! E você faz o que, Laura?
- Letras.
- Quer ser escritora?
- Diria que gosto de contar histórias, sim.
Eles conversam, dão gargalhadas, falam sobre eleições, concordam em quase tudo, aborto, legalização das drogas, em alguns minutos criam uma intimidade que Laura nunca tinha adquirido tão rápido com alguém. Pela primeira vez, Laura gosta do trânsito e reza mentalmente para que ele não acabe tão rápido. Ela observa cada detalhe de Henrique e não tem nada nele que a incomode. “Espero que ele também me veja assim também”.
- Laura, eu sei que o papo ta ótimo, mas eu desço no próximo ponto.
- Ah... ah.. ta bem, ta bem, vai lá.
Eles trocam celular, cada um tira uma foto divertida no celular do outro.
“Que clichê! Que fofo!”
- Tchau.
- Tchau.
Henrique dá um beijo em Laura, que se surpreende, mas reage rapidamente – e positivamente, claro.


“Nossa, mas o mar ta lindo...” O trânsito estava horrível, o ônibus ainda estava na praia. Laura virou a cabeça para o lado direito, olhou para o banco do menino, ele não estava mais lá. Levantou a cabeça, procurou nervosa pelo ônibus, nada. Olhou pela janela e lá estava ele, andando em direção oposta ao ônibus. “Merda”. Ela se arrependeu por, mais uma vez, não ter tomado uma atitude de conversar com o garoto. Ele, da rua, virou a cabeça e ela olhava para ele. Levantou rapidamente, puxou a cordinha do ônibus – Motorista, abre aqui pra mim! –, mas ele era um daqueles motoristas que faz o que quer. Quase passa de ponto, mas não abre fora dele. Laura só viu pelo espelho o gesto dele dizendo que não. Já era tarde demais e o menino tinha ficado para trás. “Filho da puta!”. Laura sentou novamente no banco e colocou de volta os fones de ouvido.

Marina Martins

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Aaaaah, meus 15 anos!

“Eu tinha 15 anos quando viajei pra lá”. Que engraçado isso que disse hoje. Ao mesmo tempo que parece uma realidade extremamente próxima, com tantas memórias vivas, é algo já tão distante... hoje, quando penso “15 anos” me vejo uma pirralha, uma pessoa que tinha descoberto a vida há muito pouco tempo. Ta, talvez isso seja um exagero, mas eu posso dizer que minha vida, minhas atitudes e minha maneira de pensar começaram a se formar mesmo, ou pelo menos se fixar, a partir dos 14 anos e a amadurecer nos 15. Também posso dizer que muita coisa aconteceu e mudou na minha vida a partir da minha debutância. Quando fiz 15 anos, estava no Ensino Médio, não usava mais uniforme, não dei uma festa gigante, não dancei valsa, não usei mais de um vestido, meu vestidinho não era longo. Preferi fazer uma viagem, tive a oportunidade de ficar três semanas em Oxford estudando inglês.

Eu realmente estudei inglês. Não fiz só isso, óbvio, mas eu estudei mesmo. Fui com três amigas e mais um grupo de brasileiros e na volta ainda passamos três dias em Paris. Essa viagem mudou minha vida. Por um curto período de tempo, eu tive uma família nova (mãe, pai, irmão e irmã mais novos, além da minha amiga-irmã e de um irmão francês da nossa idade), morei numa casa nova, numa cidade completamente nova, conheci muita gente nova. Eu andava sozinha na rua à noite sem medo de assalto – eu andava sozinha à noite – e pegava o ônibus no último horário, mesmo que não fosse tão tarde. Mas ônibus onze da noite aqui já é meio perigoso. Eu gostava de ir pra aula, mesmo que fosse cedo. E nós ainda tínhamos que sair mais cedo do que o normal por conta dos péssimos horários de nossos ônibus. Aí nós chegávamos, íamos no computador e eu atualizava meu Facebook (recém feito) e meu Twitter com informações sobre a viagem para que minha família e meus amigos pudessem acompanhar. Aliás, os meus posts dessa época são muito engraçados.

Estudávamos pela manhã, no break time lanchávamos no Café Bar Brasil que tinha ao lado da escola, ou íamos até o mercado comprar croissant ou frutas num potinho. As melancias eram deliciosas! À tarde, almoçávamos com nosso grupo brasileiro ou com nossos amigos estrangeiros, normalmente um sanduíche que comíamos na rua. Quando nos dávamos ao luxo, tinha um restaurante italiano muito gostoso ali perto ou alguns outros interessantes nas redondezas. Então fazíamos algum passeio turístico ou ficávamos de bobeira pelas ruas da cidade. Segunda e quinta eram dias de futebol no Botley Park, onde toda a galera da escola ia e jogava. Tinha de tudo: brasileiros, espanhóis, franceses, húngaros, árabes... era um gramado enorme, onde eu ficava sentada fofocando com as meninas, rindo alto, falando bobagem em português pros gringos não entenderem, filmando, tirando foto ou  só ouvindo ipod enquanto olhava para o céu, ora azul, ora nublado. Terças à noite tínhamos direito a entrar de graça na matinê da The Bridge. Era tão cheio, que até hoje eu não entendo como não me sentia claustrofóbica lá (ahhh meus 15 anos...), fora o cheirinho desagradável que certos jovens tinham.... Dançávamos loucamente ao som de Waka Waka, Sexy Bitch, We no Speak Americano, Alors on Danse, Break your Heart, Rap das Armas... nessa então, ninguém segurava as brasileiras! Botamos todo mundo para ir até o chão. Aos finais de semana, fazíamos excursões para alguma cidadezinha inglesa, uma em cada dia. Também fomos mais de uma vez a Londres, vimos musicais, fomos na London Eye, na Tate Modern.

Sobre as pessoas que conheci, só gente boa. Alguns foram só uma passagem na minha vida, outros eu guardo com muito carinho, apesar de não mantermos muito contato, outros três eu já conseguir rever. Um deles eu já vi duas vezes. A despedida é sempre triste, mas pelo menos ela me deixa a sensação de que vamos nos rever de novo (sim, rever de novo).


Lembrei agora do dia em que perdi meu anel. Do nada, olhei para o meu dedo e não vi o anel que ganhei dos meus pais no meu aniversário de 13 anos. Larguei minha bolsa com a minha amiga, procurei pelo chão da rua, chorava sozinha, eu estava zonza. Não achei. Mas sei lá, hoje penso (e quando digo hoje, é hoje mesmo – acabei de pensar nisso) que isso pode ter tido algum simbolismo. Eu perdi o marco dos meus treze anos, mas de repente ele deu lugar a outros marcos na minha vida, ele cedeu espaço para os meus 15. Durante essa viagem, eu me senti livre, eu me senti grande. E agora eu vejo como ainda era novinha. Ô idade boa! Ô viagem boa! Realmente, meus 15 anos marcaram a minha vida. Se não fosse pela viagem, não sei se teriam marcado tanto assim. Mas assim foi. Meus 15 anos foram lindos, repletos de descobertas e novidades. E depois vieram os 16, cheios de outras coisas novas e maravilhosas (algumas mais maravilhosas ainda). Mas essas memórias, eu deixo pra outro texto.

Marina Martins