Já estava lá há dez
minutos. “Filho da puta!” – o ônibus tinha passado direto do ponto. Ela teve
que esperar mais quinze para vir outro, que quase não parou também, mas teve de
parar quando ela praticamente se jogou na frente dele. Abriu a porta e ela
entrou, atabalhoada.
- Assim ce é atropelada,
menina, cuidado...
“Ah! Vai se foder!”
- É, moço, mas cê podia
ter parado né! Se isso tivesse acontecido, eu não precisaria correr aquele
risco.
Deu “bom-dia” ao trocador,
que não tinha culpa da situação, e passou pela catraca, descabelada e
desastrada. Levantou o olhar e gelou. “Meus deus, que lindo!”. Sentou estrategicamente
no banco à diagonal dele, para poder vê-lo melhor. Ele olhou para trás, para
ela, ela viu, ele disfarçou. Ela sorriu e o corpo já não era mais o mesmo. Lembrou
que estava descabelada, ajeitou os cabelos, a roupa, a postura. Com a música no
ouvido, começou a pensar no rosto dele, nos olhos, nos cabelos, nas roupas, na
postura. Até no brinco, que ele não precisava ter, mas que nele dava um charme.
“Será que tem tatuagens? Que as unhas são limpas? Ah, o pé é, e ele ta de
chinelo! Ai, que pé bonito...”. Ficou olhando o mar, enquanto não parava de
pensar nele “será que ainda está me olhando?”.
- Oi, posso sentar?
- Ah, oi, claro, claro. “Cacete,
ele veio pra cá. Age naturalmente”.
Ele ainda está de pé.
- Ah! A mochila! Desculpa,
deixa eu tirar ela daqui.
- Haha, brigada. E aí,
como cê chama?
“Até o sotaque paulista
caiu bem nele.”
- Laura.
- Eu sou Henrique.
“Droga! Esqueci de
perguntar de volta!”
- Cê é do Rio mesmo?
- Aham. E você de São Paulo,
né?
- Isso, mas moro aqui há um
tempo.
- Por que?
“Ai meu deus, que pergunta
mais direta.”
- Eu estudo aqui.
- O que?
“Laura, o que está
acontecendo? Naturalmente!”
- Estudo Ciências
Políticas e faço um curso de Artes Plásticas.
“Poderia ser mais
perfeito?”
- Olha! Que maneiro!
- É... eu gosto! E você
faz o que, Laura?
- Letras.
- Quer ser escritora?
- Diria que gosto de
contar histórias, sim.
Eles conversam, dão
gargalhadas, falam sobre eleições, concordam em quase tudo, aborto, legalização
das drogas, em alguns minutos criam uma intimidade que Laura nunca tinha
adquirido tão rápido com alguém. Pela primeira vez, Laura gosta do trânsito e
reza mentalmente para que ele não acabe tão rápido. Ela observa cada detalhe de
Henrique e não tem nada nele que a incomode. “Espero que ele também me veja
assim também”.
- Laura, eu sei que o papo
ta ótimo, mas eu desço no próximo ponto.
- Ah... ah.. ta bem, ta
bem, vai lá.
Eles trocam celular, cada
um tira uma foto divertida no celular do outro.
“Que clichê! Que fofo!”
- Tchau.
- Tchau.
Henrique dá um beijo em
Laura, que se surpreende, mas reage rapidamente – e positivamente, claro.
“Nossa, mas o mar ta
lindo...” O trânsito estava horrível, o ônibus ainda estava na praia. Laura virou
a cabeça para o lado direito, olhou para o banco do menino, ele não estava mais
lá. Levantou a cabeça, procurou nervosa pelo ônibus, nada. Olhou pela janela e
lá estava ele, andando em direção oposta ao ônibus. “Merda”. Ela se arrependeu
por, mais uma vez, não ter tomado uma atitude de conversar com o garoto. Ele,
da rua, virou a cabeça e ela olhava para ele. Levantou rapidamente, puxou a
cordinha do ônibus – Motorista, abre aqui pra mim! –, mas ele era um daqueles motoristas
que faz o que quer. Quase passa de ponto, mas não abre fora dele. Laura só viu
pelo espelho o gesto dele dizendo que não. Já era tarde demais e o menino tinha
ficado para trás. “Filho da puta!”. Laura sentou novamente no banco e colocou
de volta os fones de ouvido.
Marina Martins
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