quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

(Sem) Sutiã



Créditos: achei no Pinterest

Peitos. Assim que começaram a aparecer, fui ensinada a escondê-los. Afinal, nossa sociedade não está preparada para recebê-los, insistindo em recusá-los. Quando mais nova, eu me obrigava não só a tapar meus peitos, como a esconder os sutiãs que usava. Nada poderia ser mostrado, nem mesmo as alcinhas. Mas fui crescendo e querendo que meus peitos fossem mais notáveis. Não os mamilos, claro. Esses jamais podem aparecer. Eu queria meus peitos grandes, redondos, pontudos e iguais. Ah, e juntos, para poder ficar bonito com um decote. Como eles não obedeciam às minhas vontades, decidi falsificá-los e passei a usar sutiãs de enchimento. Eles deixavam meus peitos lindos, redondos... e falsos. Mas, pelo menos, escondia a diferença de tamanho que havia entre eles e forjava um tamanho considerado aceitável por mim mesma. Os meus peitos e mamilos me incomodavam muito. Eles foram um peso muito grande na minha adolescência. Eu estava decidida que colocaria silicone no futuro, a dúvida estava apenas em quando: ao completar 18 anos ou depois de amamentar meus futuros nenéns? Eu pensava no silicone como uma solução para a anormalidade que eram meus peitos, na minha cabeça. Um dos meus maiores medos de pré-adolescência era saber que um dia eu tiraria meu sutiã na frente de um cara.

O tempo passou. Arrumei um namorado. Fui amadurecendo. O enchimento dos sutiãs foi diminuindo e virando bojo. Percebi que a ideia do silicone era uma loucura para alguém que tem pavor de agulhas e cirurgias, como eu. E percebi que o dinheiro que gastaria com isso era abusivo, sendo que ele seria gasto para que eu me enquadrasse em um padrão imposto por uma sociedade patriarcal, machista, consumista, capitalista e objetificante. Uma sociedade que quer igualar corpos e mentes. Que rejeita a diferença. Uma sociedade que faz uma adolescente se sentir um lixo por ter peitos pequenos, mamilos grandes e um peito maior do que o outro. Que a faz se sentir feia, errada e desproporcional ao se olhar no espelho. Uma sociedade que cria humanos que acham uma vulgaridade uma mulher andar sem sutiã. Uma sociedade que prende e repreende uma mulher sem camisa, quando deveria ser um direito dela, assim como é do homem. Não estou atacando sutiãs e dizendo que eles são ruins, mas apenas defendendo a liberdade de uma pessoa ao escolher se quer ou não colocar um sutiã, sem ser julgada e regulada.

Pois bem. De uns tempos para cá, ando tentando ter uma relação melhor com meus peitos. As mulheres de minha família (avó, tias, primas, irmã e mãe) me ajudaram muito e sempre, tratando peitos como algo natural e belo. Assim como meu pai. Minhas amigas me ajudaram. Meu namorado. A luta feminista. Até a JoutJout, garota de 24 anos que faz vídeos no YouTube me ajudou. O Corpo Cru, meu projeto fotográfico, me ajudou – e muito. Foi graças aos meus peitos que a ideia dele me veio. E foi graças a ele que criei coragem de falar deles. É também por ele que pude ouvir o que uma mulher sofre e ama por ser quem é, do jeito que é. É por ele que posso dizer a cada mulher o quanto ela é bela por ser ela.

Por conta de uma blusa mal cortada que fazia parte do figurino de uma peça, tive que desistir do bojo e usar um sutiã normal, para que meus peitos não aparecessem. Esse sutiã faz parte de uma coleção de sutiãs sem bojo herdados da minha irmã quando eu era mais nova, e que decidi guardar por ter a esperança de conseguir usá-los um dia. Desde a peça, comecei a tentar levar o figurino para a vida real. Ontem, fui vestir uma regata. Quando peguei um sutiã de bojo, olhei para ele, joguei na cama e peguei um sem. Consegui sair de casa assim. Hoje, a mesma coisa. Outro dia, usei um vestido sem sutiã. Ele nunca precisou de sutiã, na verdade. Mas na minha cabeça todos iam reparar se eu não estivesse de sutiã. Quando saí na rua, vi o quão libertador era não estar com um tomara-que-caia de bojo me apertando e escorregando.

O desapego dos bojos não deveria ser tão difícil. E essa dificuldade é cruel. Meninas, às vezes literalmente, se torturam e se matam em busca de uma perfeição que não existe. Uma perfeição construída e ditada por um sistema. É muito triste ver uma menina sofrendo por seus peitos, porque o que ela tem é diferente do que ela vê na mídia. É cruel sentir vergonha dos seus peitos, sentir-se inferior apenas por não preencher decotes. É muito chato ter o corpo regulado o tempo todo. O sutiã, por exemplo, deveria ser uma escolha, não uma imposição. Não deveria ser uma decisão tão intensa o ato de não usá-lo. Moças, vamos aceitar nossos peitos. E moços também. Deveríamos ter a liberdade de tê-los livres quando quiséssemos, assim como os homens têm. Uma historinha: fiquei com meu namorado, pela primeira vez, aos 16 anos. Estávamos na praia, ou seja, eu estava de biquíni. Eu fiquei feliz, pensando no quanto ele me aceitava, pois “me viu de biquíni, viu que eu tenho peito pequeno e, ainda assim, quis ficar comigo”. Sim, eu pensei nisso. Moças, vamos combinar, se algum dia um cara ou uma mulher recusar vocês por seus peitos, agradeça por isso ter acontecido e joga a pessoa fora. Isso aconteceu pra você nunca mais olhar na cara dela. Vocês não se merecem. Você merece muito mais e a pessoa não merece você com seus lindos e únicos peitos.

Eu nunca imaginei que fosse conseguir publicar um texto falando sobre peitos. Era um assunto realmente delicado para mim, mas graças a muitas coisas e pessoas, isso está mudando. Por último, quero dizer que é realmente muito difícil esperar algo bom de uma sociedade que não consegue aceitar nem um peito. Não suporta conviver com mamilos (femininos!), a não ser que o contexto deles seja sexual. Mulheres, ainda temos muito a mostrar para esse mundo com nossos peitos enormes, mínimos, redondos, desproporcionais, nossos mamilos que acendem faróis e marcam nas roupas. É muito difícil se desprender do padrão, eu digo por mim, mas olhem... é libertador. Quanto mais você se desprende, mais você se liberta, mais você percebe o quão cruel é o que ele faz com você e o quão melhor é você se aceitar. A luta é difícil, mas vamos em frente. E de peito aberto.

Marina N. Martins

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Abrindo a boca (mais uma vez e sempre)

"Querido patriarcalismo,"

Ok, vamos lá. Eu já escrevi textos dessa temática algumas vezes. E enquanto tiver motivo, continuarei escrevendo. Sabem por quê? Porque a pior coisa a se fazer é ficar calada frente a situações absurdas que PRECISAM ser mudadas. Então temos que falar, falar e falar, porque o que incomoda não deve ser o ato de falar sobre, mas sim o “sobre”. Sabem por que a redação do ENEM teve como tema a violência contra a mulher? Porque ela existe. Tão óbvio, não é? E tão triste ser óbvio. Sabe por que também? Porque uns pedófilos machistas fazem questão de comentar sobre a beleza de uma criança de 12 anos de idade, comentários abertamente sexuais, inclusive insinuando estupro. Porque existem Eduardos Cunhas. Porque há pessoas (homens e, pasmem, mulheres) que chamam feminismo de mimimi. Que acham que mulher tem que levar corretivo mesmo pra aprender. Que acham que mulher é inferior. Que acham que qualquer tipo de abordagem na rua, coisa que muitas nós chamamos pelo seu verdadeiro nome, ASSÉDIO, é elogio.

Cara, eu vou ser sincera. Eu vou ser desbocada. Eu vou ser tudo o que eu bem entender nesse texto porque eu to de saco cheio dessa merda toda. Aliás, de saco não, to de peito cheio mesmo. E ainda vou misturar vários assuntos que têm a ver com um só. Vamos por partes.

Primeiramente, gostaria de avisar que vou botar a vagina na mesa nesse texto. Essa história de botar o pau na mesa não cabe a mim, já que não tenho um. E parou de achar que, quando uma pessoa é forte e tem atitude, ela tem colhão. Para quem não sabe, colhão é testículo. Eu conheço muita gente sem colhão que “tem muito mais colhão” do que gente com colhão. E parou também de achar que, quando alguém se mostra poderosA em alguma situação, é porque “tem pau”. E parou de achar que pau é sinônimo de força e poder. Inclusive, comparando aqui rapidinho: da minha vagina, querido, sairá um futuro você, ou seja, um ser humano. Minha tão frágil vagina tem o poder de parir uma cabeça e um corpinho inteiros de um bebê. E no dia seguinte, eu já to andando segurando a criança no colo enquanto ela se alimenta do que sai do meu peito. Enquanto isso, o tal do colhão quase mata um homem de dor quando recebe um chute. Ou seja. Ne? Se é para comparar força, vamos combinar que... Bom, mas a verdade é que órgão sexual não mede a força nem o poder de ninguém. Então vamos parar com essa palhaçada de “botar o pau na mesa” e vamos colocar nossa vaginas na mesa também. Queria dizer, inclusive, que admiro muito as vaginas colocadas na mesa em uma sociedade onde tantos paus já estão sobre ela.

Segundamente, peitos. Parou com isso de ter medo de peito. Peito de mulher é igual a peito de homem, só que é mais cheinho – ou não, aliás. Queridos seres humanos da face da terra inteira, queridos maravilhosos mamíferos, o primeiro alimento da vida de vocês vem de peitos femininos. Sem peitos, não há vida. Somos todos MAMíferos, passamos um tempo recebendo vida de mamas, então vamos parar de proibir a mama da mulher, vamos? Vamos parar de deletar fotos de moças com peitos de fora das redes sociais? Vamos aceitar que a mulher pode pegar um solzinho nos seios pra dar uma bronzeada, se ela quiser? Vamos todo mundo que quiser andar sem camisa pela praia? Essa pressão absurda que as mulheres sofrem para ter o “peito perfeito”, que as faz se submeter a agulhas e implantes e sofrer quando elas se olham no espelho e não veem dois amigos redondos e grandes, vem por causa desse medinho de vocês de peito. Se nós convivêssemos com os lindos peitos das moças que nos cercam, tenho CERTEZA de que seríamos mais desapegadas quanto à estética deles. Tanto que não vejo homens julgando uns os mamilos dos outros. Moral da história, vamos parar de não querer ver mamilo de mulher. Tanta coisa nesse mundo pra se preocupar e a família tradicional brasileira perdendo tempo com mamilo.

Terceiramente, família tradicional brasileira. Amores, quem são vocês? Uma família que não tem nenhum membro que já tenha traído, feito coisas erradas, falado palavrão, beijado alguém do mesmo sexo, usado algum tipo de drogas? Nada disso, nadinha mesmo? Desculpa, não conheço. Alguém me explica que tradição toda é essa, porque to por fora. Mais uma vez, tanta coisa pra se preocupar no mundo e nossos ilustres políticos tradicionalíssimos decidindo o que é família. Kiridos, vão dar um jantar pra sua família tradicional, rezem pelas almas de quem julgam errados e não se metam nas famílias que não são as de vocês. Vocês não são ninguém pra dizer quem é a família de ninguém. QUALQUER família merece ser feliz sem uma merda de uma lei ou coisa que o valha. Daqui a pouco vocês vão querer definir o que? Conceito de amigo? Quer ser tradicional, seja lá o que isso quer dizer, seja. Só não enche o saco de quem quer ser feliz sem a opinião de vocês.

Quartamente, Eduardo Cunha e os migo tudo dele. Mais uma vez, queridos ilustríssimos e tradicionalíssimos seres políticos desse Brasil, vão cuidar de outra coisa. Vai lavar um prato e comer uma pipoca. Vai varrer uma sala. Vai ali dar uma dormidinha, vai se jogar de um penhasco, tudo menos: 1. Se meter na sexualidade dos outros. 2. Se meter na família dos outros. 3. Se meter na religião dos outros. 4. Se meter no útero das outras. Vamos então falar do projeto de lei. Vamos falar de aborto. O PL 5069, criado pelo Du e mais dois migo (tudo homem), quer dificultar ainda mais o aborto. Vou copiar alguns trechos da matéria que saiu no G1.

No caso do estupro, para que um médico possa fazer o aborto, o projeto de lei passa a exigir exame de corpo de delito e comunicação à autoridade policial.
Atualmente, não há necessidade de comprovação ou comunicação à autoridade policial – basta a palavra da gestante.
"Nenhum profissional de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo", diz o texto do projeto.
De acordo com o relator, deputado  Evandro Gussi (PV-SP), o farmacêutico pode deixar de fornecer pílula do dia seguinte, por exemplo, se considerar que isso viola a sua consciência.
 
Nos trechos citados acima, o que podemos ver, caro leitor? Um show de machismo e conservadorismo. Não sei se os senhores criadores desta porra sabem, mas ser mulher nesse país é difícil para cacete. E um dos maiores problemas é o fato das pessoas não acreditarem na nossa palavra. Então, se relatamos um assédio, seja moral ou sexual, um abuso sexual, um estupro ou uma descriminalização por gênero, nós somos histéricas, exageradas, feminazis, malucas, mentirosas, ridículas. A palavra da mulher, muitas vezes, não é validada nem pelas próprias mulheres. E o primeiro trecho que destaquei mostra bem isso. Pelo projeto de lei, a mulher vai ter que sair de um ESTUPRO pra ir fazer EXAME e depois conversar com um policial, se for homem, PIOR AINDA, porque ela ainda pode ter que ouvir “ué, mas também, com esse corpo” e coisas do gênero. O estupro, essa experiência completamente TRAUMÁTICA na vida de um ser humano, deve ser investigado até o fim, com os mínimos detalhes, e tudo isso para impedir que haja um aborto. E por último, eu estou cagando para a consciência dO farmacêuticO, que não tem a merda de um útero e não é ele que não vai parir e cuidar da criança que a grávida carrega. E mesmo se for farmacêutica. Miga, entenda, mulher tem que apoiar mulher. Não é seu útero, não acabe com a vida da outra por causa da SUA consciência e deixa que ela se vira com a DELA. Eu já falei sobre minha opinião a respeito do aborto em outro texto, por isso não vou me estender. Mas eu só quero dizer que gostaria que esse projeto de lei fosse parar em um buraco negro junto com o Cunha e toda a sua trupe reacionária, conservadora, machista, racista e homofóbica. Vocês, que são a família tradicional brasileira, enfiem essa tradição em outro lugar, que não seja nos úteros das mulheres. Não as façam parir frutos de seu machismo.

Por último, não posso deixar de falar sobre feminismo. Volta e meia, tento me lembrar de algum marco que me tenha feito parar e falar: eu sou feminista. Não consigo. Não sei como nem porque, mas sempre soube que feminismo não era oposto de machismo e sempre expliquei isso às pessoas. O que me lembro de mais remoto foi um chute no piru de um menino que me desrespeitava frequentemente na escola e ninguém fazia nada. Eu devia ter uns 4 anos. Depois, uma festinha onde eu devia ter uns 6 me irritei com o animador que brincou que os homens eram mais fortes do que as mulheres, por isso iam ganhar no cabo de guerra. Eu nunca entendi isso e sempre contestei. Aos 8, fiz uma dupla com uma amiga que arranjei em uma pousada e jogamos totó com dois meninos. Eles disseram que íamos perder porque éramos meninas. Fiquei com raiva dele. Nós ganhamos. Fui crescendo assim. Nunca aceitei o lugar de submissa e inferior que a sociedade gosta de enquadrar a mulher. E meus pais me ensinaram que isso não é assim. Hoje, vejo que muitas pessoas ao meu redor já mudaram suas opiniões pelo que digo a elas. Meu namorado, por exemplo. Outro dia, um amigo meu disse até que eu era uma referência, para ele, no assunto. Uma amiga contou que eu abri o olho dela quando falei sobre o direito da mulher de se vestir como quiser, andar na rua como quiser, e não estar pedindo para nenhum cara mexer com ela. E meu peito feminista se enche de orgulho quando vejo que já mudei e que ainda posso mudar a visão de muita gente. Mais uma vez eu quero falar que feminismo é a luta pelos direitos iguais dos homens e das mulheres. NÃO É mimimi. NÃO É opressão (NÃO!!!). NÃO É anti-homem. É só a noção de que somos todos iguais. Todo ser humano é igual. E nossa luta continua porque tem gente que continua sendo machista. Por causa de várias coisas que falei sobre ali em cima. O seu machismo NUNCA vai calar meu feminismo, mas meu feminismo vai sim calar seu machismo. O importante é que nós, que lutamos pelos direitos BÁSICOS das mulheres, não fiquemos calados. Não sei como devo terminar esse texto, talvez porque ele não tenha fim. Talvez porque seja tão incerto como a luta diária que a mulher leva, que ela é. Se isso um dia tiver fim, quem sabe eu não concluo tudo isso sem interrogações? 

Marina N. Martins 

 Aproveito para dizer: assistam a esse vídeo maravilhoso da JoutJout.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Belle vie




Eu gostaria de me lembrar perfeitamente de como foi minha experiência de assistir “As Bicicletas de Belleville”. Pelo que vi no Google, o filme foi lançado no Brasil em abril de 2004, mês em que completei 9 anos. Fui ao cinema com minha avó e meu avô – e não consigo lembrar direito se meu primo Henrique estava também. Se ele foi, tinha 3 anos. Estou cismada de que ele foi, mas pode ser só uma memória que exista por conta dos vários filmes que vimos juntos na companhia de nossos avós. Ir ao cinema com vovó e vovô era sinônimo de vovô dormir e eu e vovó assistirmos atentamente ao filme. Quando ele roncava, nós ríamos e ela dava um tapinha nele: “Joaquim!”.

Como falei, não me lembro bem do dia em que assistimos “Belleville”, apenas de algumas coisas. A primeira, foi que achei esquisita a falta de diálogos, quase inexistentes, do filme. E lembro de ficarmos no cinema nos indagando “ué, será que não tem fala?”. Não consigo lembrar se vimos dublado ou legendado, mas talvez isso nem tenha tanta importância, já que podemos compreender o filme sem nenhuma fala, de fato. Acho que minha avó saiu da sala apreensiva quanto à minha opinião, pois a animação não é de todo infantil, ela traz até um cenário meio sombrio e situações um tanto estranhas. No entanto, eu lembro de ter adorado o filme e de isso ter surpreendido a minha avó. Desde 2004, recordo com carinho essa experiência, mesmo não lembrando de praticamente nada do filme.

Ontem, o assisti novamente em um cinema aberto na Casa Daros, local por tantos anos dirigido pela minha mãe e onde a vejo em cada canto. Depois que ela saiu de lá, ir à Daros não é uma tarefa tão simples pra mim, já que sinto muito a sua não-presença e que sinto aquele local até mesmo como uma parte de mim, e como nosso. Ver “As Bicicletas de Belleville” por lá foi uma experiência emocionante pra mim, pois tudo se embolou na minha cabeça. O lugar, o filme, a primeira vez que o assisti... “Belleville” é, acima de tudo, uma história de uma avó que tenta deixar seu melancólico neto feliz. A felicidade dele aumenta quando ganha uma bicicleta. Os anos se passam e, graças à avó, ele vira um ciclista. Um dia, pedalando no Tour de France, é capturado por mafiosos, junto a outros dois ciclistas que não aguentam o tranco da competição, assim como ele. Dessa forma, sua avó e seu cachorro vão atrás para salvá-lo dessa situação. 

SPOILER ALERT! Agora vou dar uma contada mais profunda no filme; se não quiser saber, pule para o próximo parágrafo. “Belleville” se inicia com uma transmissão de televisão onde se apresentam as “Triplettes de Belleville”, que dão o nome original do filme. Elas são um trio de meninas que fazem shows em tradicionais cabarés franceses. Em sua busca pelo neto, a avó acaba encontrando o trio, que agora é formado por elas velhinhas, e são as três que a ajudam nessa situação. Voltando ao início do filme, a transmissão de TV é interrompida e o primeiro diálogo é a avó perguntando ao neto “O filme acabou? Você não quer responder à vovó?” e o menino não responde. Ao final do filme, o próprio filme acaba dentro da televisão, que está no mesmo local, dentro da cozinha da casa da avó. A imagem ainda está se afastando quando a mesma pergunta do início é feita “O filme acabou? Você não quer responder à vovó?”. Vemos, então, o neto já velho, que se vira para onde a avó estava sentada no início, mas já não tem mais ninguém. Ele responde “Sim vovó, acabou.”. E assim termina “As Bicicletas de Belleville”. 

Quando eu saí da sala com meus avós, me lembro de alguém dizer - não sei se foi ela ou meu primo, ou até mesmo eu - que o filme era, principalmente, sobre uma avó que salvava um neto. E ela achou isso lindo. E eu também. E ontem, mais de dez anos depois, eu assisti ao filme no pátio da Casa Daros, sem a minha avó do lado. Vovó, o filme acabou. Nós duas assistindo a filmes acabou. Mas quero te dizer que você foi tão importante na minha vida como a vovó de “Belleville”. Você foi uma das pessoas que me introduziu nesse mundo de sonhos que é o cinema, mundo do qual escolhi fazer parte como espectadora e como profissional. Cada sessão que assistimos juntas ficou na minha memória para sempre, mesmo que não de forma perfeita. Afinal, o tempo passa. E, aliás, foi você, junto da minha mãe, que me fez andar de bicicleta, com e sem rodinhas. Você nunca teve um apito para que eu andasse mais rápido, como no filme, mas posso dizer que você foi um dos apitos que me fez crescer e que me fez ser quem eu sou. O meu filme, vovó, não acabou. E falta muito para acabar. Um dia te conto como foi o fim.

Marina N. Martins 


 Música-tema (maravilhosa) de "Triplettes de Belleville"

terça-feira, 9 de junho de 2015

Don't let it bring you down

“Na PUC só tem cuzão”; “desprezo”; “PUC vai se foder”; “toda puquiana dá o cú e mama e senta no piru”. Algumas das coisas que eu soube e li que foram ditas nos JUCS (Jogos Universitários de Comunicação Social). Não, eu não fui ao evento, pelo simples motivo de que não é o tipo de evento que me atrai. Mas quando fiquei sabendo que houve denúncias de ESTUPRO, outros tipos de violência, além dos tristemente óbvios machismo, racismo e homofobia, decidi entrar na página “Spotted: JUCS”. Eu estou enjoada, com dor de cabeça e com choro preso. Alguns podem achar que sou sensível demais, chata, ridícula e eu não me importo. Eu só fico assim porque sei que esse tipo de coisa que acontece nesses JOGOS é errado, feio, triste ou até crime. Então a minha reação não me assusta. O que me assusta são as pessoas que tomam as atitudes que me machucam, mesmo eu não estando perto. Aliás, isso é o que mais vem acontecido ultimamente. Praticamente todos os dias eu fico triste por atos que não presencio, mas são como se me dessem um tapa na cara. Ou um soco no estômago.

Enfim, nessa página, alguém reclamou, anonimamente, de uma torcida que chamava as jogadoras adversárias de “puta feia”, “piranha”. A pessoa citou uma torcida, mas imagino que isso não ocorra só em uma. E depois falou de outra que se proclamava “só moleque estuprador”. No post, comentários como “se não gostou, vai pra igreja”, “gritei o jogo inteiro ‘gay’, ‘dá cu’”, “vai pra JMJ”, “não fode feminista chata do caralho”. Tais comentários feitos por homens e, pasmem, mulheres. Ah sim! E uma hashtag “turma do estupro”, acompanhada de um comentário “ano que vem vai ser pior”.

Vamos lá, por partes. Eu sou estudante da PUC com muito orgulho. Conheço muita gente bacana lá que está longe de ser “cuzão”. Generalizar os estudantes da PUC como ricos, segregacionistas, patricinhas e playboys preconceituosos está errado. Isso é preconceito. Eu adoro a minha faculdade e não me sinto representada por esse tipo de pessoas. E tenho certeza de que muita gente partilha da mesma opinião. Desculpa se eu estudo na PUC. Desculpa se eu não passei pra UFRJ e nem pra UFF. Desculpa se, se eu tivesse passado para a UFRJ, faculdade que acho incrível, eu não iria porque não tem curso de cinema (coisa que sempre quis que tivesse para eu poder tentar estudar lá). Desculpa se, se eu tivesse passado pra UFF, eu continuaria em dúvida entre ela e a PUC porque sempre tive um carinho enorme pela minha faculdade. Desculpa por estudar em uma faculdade particular e não me enquadrar num elitismo escroto. Desculpa por gostar muito do campus da PUC e dxs amigxs e colegas que fiz lá. Desculpa por dizer que gente escrota existe em qualquer faculdade. Que sorte a minha de poder estudar numa faculdade tão bonita, com tantos eventos legais e que, como todas, tem seus problemas. E que pena que ela seja representada nos Jogos por uma minoria preconceituosa que canta alto músicas racistas e elitistas. Universidades, faculdades e escolas superiores existem, se superam em alguns cursos, outros não, às vezes todos, têm mais e menos problemas, são públicas e particulares, são diferentes. E que bom que existem para – espera-se – formar bons intelectuais e profissionais. Que triste essa guerrinha entre faculdades. Que triste luta de classes. Que triste a desunião dos jovens universitários. Isso não é uma competição.

Mais cedo ou mais tarde, quem xinga e quem é xingado se cruzará no mercado de trabalho, nas agências, redações e produtoras da vida. Fico pensando que, se em jogos se tratam assim, como será que vai ser no trabalho? Acho que o jovem que hoje exalta o estupro e se orgulha de – ai que nojo de escrever isso – ser um estuprador, será o chefe que vai escolher as funcionárias pelo corpo e tentar comer elas (sim, com esse linguajar) através de chantagens ou ofertas melhores no emprego. Ou ‘pelo menos’ o chefe que vai dar cantadas diariamente nas funcionárias. Ou pior: estuprá-las. O jovem de hoje que ‘xinga’ alguém de gay – “xingar” e “gay” não cabem numa mesma frase para mim – será aquele que, na hora de contratar, não vai gostar da voz afeminada daquele profissional incrível e vai discriminar o outro porque é casado com um homem. O jovem de hoje que faz uso de xingamentos racistas vai ser aquele que vai preferir contratar o branco sem nenhuma experiência do que o negro com um currículo incrível. Que vai preferir alguém só porque é rico do que alguém que é pobre. Que tristeza.

Que tipo de juventude é essa que acha que orientação sexual, gênero, cor e tipo físico é xingamento? Que tipo de juventude é essa que não consegue participar de competições sem que haja troca de agressões verbais e físicas, violências psicológicas, físicas e sexuais? Que juventude é essa que vive em constante troca de ofensas, em constante luta de classes, generalização, pré-conceitos, preconceitos e desunião? São alguns desses os futuros geradores de mídias, entretenimentos. Fora os futuros advogados e médicos que também gostam de ofender nos Jogos Júridicos e nos de Medicina. Que juventude é essa? Nossa, estamos em 2015, e eu querendo voltar no tempo para ser jovem nos anos 60, 70, 80, até 90! Basta ver os protestos das Diretas Já! e dos Cara Pintada. Várias pessoas de diversas idades unidas, lutando todas pelo bem delas e de seu povo, pensando no melhor para sua sociedade. E aqui estamos hoje, repito, em 2015, tendo que ouvir XINGAMENTOS como preto, pobre, sapata, viado, puta, piranha e por aí vai. Será que os jovens se tornam mais conservadores à medida que o tempo passa? Qual o sentido disso? Que juventude é essa que ainda xinga com essas palavras? Na boa, quem são vocês? Quem somos nós? Quem é a maioria? Quem nos representa? Quem é quem?


Diante disso tudo, fui pegar o metrô hoje e coloquei meu iPod, para tentar me desligar do mundo. Coincidência ou não, apertei no shuffle e começou a tocar a música “Don’t let it bring you down” (Não deixe isso te deprimir), do Neil Young. Poderia ser uma cena de filme com a trilha sonora perfeita, mas foi real. Eu acabei de ler a tradução da música e me assustei com a coincidência. Deve ter sido o mundo, tão louco, me passando uma mensagem. Essa não é a juventude, futuros adultos profissionais, que quero trabalhar e conviver na minha vida. Esses xingamentos não me representam. Então, para quem sente a minha dor e tristeza diante de tudo isso, e até mais, repasso a mensagem que me foi enviada por uma energia maior, ou por uma incrível coincidência dada pelo meu iPod: “não deixa que isso te deprima, são apenas castelos queimando, encontre alguém que está mudando, que você dará a volta por cima”. Não deixemos que isso nos deprima. Algum dia –ah! ALGUM DIA! – nós daremos a volta por cima.

Marina N. Martins

terça-feira, 28 de abril de 2015

Um futuro feliz

Eu deveria estar estudando. Na verdade, estou. Só parei um segundo porque me inspirei. E nessas horas que a inspiração vem, não posso recusá-la, a vida me ensinou isso. Acabo de mostrar a primeira versão, ou copião, da edição de um curta que escrevi e dirigi para minha aula de Direção ao meu pai. Mais cedo, mostrei à minha mãe. A versão está incompleta e errada em algumas partes. Eles amaram. Mas amaram de verdade. Eu nem tinha amado tanto assim até vê-los amando. É que eu sou muito crítica com algumas coisas que faço – acredito que muitas pessoas sejam. Meu pai está até agora emocionado. Em vários aspectos da minha vida, eu sou muito decidida e segura. Nunca fui uma pessoa com problemas de autoestima. Mas em outros, a insegurança predomina por vários momentos e junto dela o nervosismo, a sensação de incapacidade. No entanto, as pessoas que me cercam conseguem me botar pra cima.

Fiz o meu curta com meu melhor amigo na câmera, uma amiga no som; minhas atrizes eram uma amiga do Tablado, uma amiga da faculdade, que é atriz, minha prima de 12 anos e minha irmã mais velha, atriz desde bem antes de eu nascer. E agora tenho um amigo fazendo uma trilha sonora especial para mim. Como diretora de primeira viagem, eu muitas vezes não sabia o que falar e todas essas pessoas que citei me ajudaram o tempo inteiro. Sem a ajuda delas, eu com certeza teria tido crises de choro e momentos de puro nervosismo. Mas isso não aconteceu. Eu nunca dirigi atores na minha vida e, no entanto, o resultado me deixou muito feliz. Ter minha irmã Juliana no meu primeiro curta é um marco na minha vida pessoal e profissional. Mas quem me surpreendeu mesmo foi minha prima Sofia, de 12 anos. Essa menina não faz teatro. Ela não tem o costume de decorar texto. Mas sua capacidade de decorar diálogos em minutos e sua expressividade me deixaram boquiaberta, como deixaram também a meus pais. Ela não precisou de uma diretora profissional para fazer o que fez. E fez. O meu feeling de escrever uma personagem pensando nela como atriz deu mais do que certo e estou orgulhosa disso. Ela é artista desde pequena. Ela, a mais nova da nossa equipe, vai brilhar nessa vida. E eu digo com certeza. Assim como ela disse, no amigo oculto do Natal passado: “a pessoa que eu tirei vai ser uma grande cineasta”, me fazendo debulhar em lágrimas, eu digo a ela que ela também será uma grande. Grande no caminho que ela escolher.

Sobre a minha insegurança que é apagada por muitas pessoas em diversos momentos, muitas delas sabem disso, mas outras não têm nem ideia. Vocês não imaginam como fiquei emocionada com cada recadinho, whatsapp, mensagem, abraço que recebi no meu aniversário. As mais diferentes pessoas dizendo para eu continuar sendo a pessoa que sou, escrevendo o que escrevo, me chamando de futura cineasta, dizendo que tenho um futuro brilhante... aqui estou eu, chorando. Ver que palavras como essas se repetiam nos desejos de “feliz aniversário” me deixou perplexa. É graças a isso que levanto a cabeça quando acho que nada vai dar certo. É por causa de cada palavra assim que eu faço uma combinação comigo mesma que eu devo, sim, continuar sendo a pessoa que sou, do jeito que sou. Porque é esse jeito que fez e faz as pessoas falarem que gostam do que digo, do que faço, que gostam de mim. E elas demonstram isso dos jeitos mais diferentes.


Gente, se algum dia eu vier a ganhar um prêmio, seja por ter escrito um livro, um roteiro, atuado em qualquer coisa, dirigido um filme ou seja lá o que for, eu vou lembrar desse dia. Eu vou lembrar do dia em que recados de “parabéns” pelos meus vinte anos, idade bonita, me fizeram uma pessoa ainda mais feliz, forte e confiante. Eu vou lembrar do primeiro curta que dirigi e de cada pessoa que me ajudou. Eu vou lembrar que o fiz pensando na minha avó Margarida, que estaria vibrando em ver duas netas trabalhando juntas, assim como meu pai vibrou ao ver suas filhas juntas. Eu vou lembrar desse texto que estou escrevendo. Eu vou lembrar de cada um e cada uma que um dia me fizeram acreditar que eu poderia chegar lá. E não me importa agora onde será “lá”. Se eu estiver feliz, eu lembrarei de quem já me fez, faz e continuará fazendo feliz.

Marina Martins

terça-feira, 31 de março de 2015

Vênus (não) é a saída.

A imagem não é de Vênus, é a Lua feita por George Meliés, mas eu gosto muito dela. E acho que ela retrata como eu me sinto de vez em muito.


"Na luta entre você e o mundo, apoie o mundo." - Franz Kafka

Eu gosto de escrever sobre o que me incomoda. Isso não tira o nó que fica na minha garganta e nem me livra de engasgos, mas pelo menos tira um pouco de peso da minha cabeça. Hoje, agora, muitas coisas estão reunidas dentro de mim e me dando dor no estômago. A quantidade sempre grande de propagandas machistas, que retratam a mulher como um corpo, a aprovação da proposta que reduz a maioridade penal e estudantes de medicina vestidos com roupas semelhantes às da Ku Klux Klan estão batendo na minha cabeça e me dando um enjoo terrível. Estão inclusive me atrasando no que eu deveria estar fazendo, mas não estou, porque preciso colocá-las para fora. Nem que seja através de letras.



Vamos começar por esses estudantes. Essas pessoas escolheram uma profissão que cuida de pessoas. Da vida de pessoas. Com certeza, elas estudaram muito para poder entrar na faculdade, pois passar para medicina não é uma tarefa fácil. Aí resolvem fazer uma recepção de calouros em que suas fantasias são roupas idênticas às usadas pelos membros da Ku Klux Klan (KKK). A única diferença é a cor – de branca, mudou pra preta. Pra quem não sabe, a KKK foi uma seita ocorrida nos Estados Unidos que defendia a supremacia branca, sendo extremamente violenta com os negros e tendo como objetivos, exterminá-los. Então não quero ver ninguém falando que o que esses estudantes fizeram foi uma brincadeira, pois há momentos na história com os quais não se pode brincar. Há fantasias que não podem ser reproduzidas. Há referências que só podem ser mencionadas quando coberta de críticas. E esse caso é um deles. Me deixa extremamente triste ver jovens fazendo “brincadeiras” de tanto mau gosto e tão violentas como essa. Isso gera um pessimismo muito grande em mim, pois nós, jovens, somos o próximo futuro ou o futuro próximo. E ter tantas pessoas que brincam com coisas sérias assim ou que pensam de formas conservadoras me desestimula como ser humano. A atitude desses estudantes me faz pensar em todos os podres que existem na juventude atual e, nesse caso, só me resta lutar para um mundo melhor. A parte boa disso tudo é que existem jovens que também pensam como eu. Isso faz com que pelo menos um suspiro de otimismo respire dentro de mim.



Sobre a redução da maioridade penal, que medida é essa? É inacreditável que acreditem que colocar jovens de 16 anos na cadeia reduza a violência. Por favor, não é colocando pessoas na cadeia que faz com que elas se redimam, muito menos no Brasil. Todos sabemos como é nosso esquema carcerário; celas sujas e superlotadas, pessoas suando juntas, passando mal de calor... não tem como achar que isso vá tornar alguém um cidadão melhor. Creio que, em muitos casos, a situação das cadeias enraivece mais ainda quem um dia já esteve lá. É desumano. Eu até acho que há certos criminosos que merecem apodrecer em locais horríveis, pois a partir do momento que alguém estupra, mata, essa pessoa está tirando o direito humano da outra, então não acredito que ela mereça ser defendida através desse mesmo direito. No entanto, não é o caso da maior parte de nossos presos, principalmente tendo em vista que a maioria da população carcerária nesse país é pobre e negra. Enquanto isso, ricos e políticos têm penas reduzidas ou mais leves do que o apodrecimento em celas claustrofóbicas e superlotadas.



Indo agora para a questão do machismo, estou cada dia mais impressionada com as peças publicitárias veiculadas nos meios de comunicação. A Revista Forum publicou uma matéria com dez exemplos das propagandas mais preconceituosas do último ano e, aqui, vou exemplificar três (duas delas também se encontram no link).


1.    Tresemmé


2.      A Verão da Itaipava – vocês com certeza já viram essa. Se não viram, fiquem a vontade para quererem se matar comigo:
https://www.youtube.com/watch?v=a5hzteameeU




3.    Nivea, apresentando um creme contra celulites: a mulher pergunta “sabem por que estou me sentindo tão confiante, por que me sinto tão bonita? Basta olhar para o meu bumbum”.



Parece sacanagem, né gente? Mas não é. Isso existe. Isso é aprovado. Isso é transmitido. Fico me perguntando quem são os responsáveis por criar e aprovar peças como essas. E o pior é que tem gente que nem percebe a gravidade disso! A primeira propaganda, além de machista, é completamente racista, pois todos sabem que as mulheres negras não costumam ter cabelos naturalmente lisos. Então como dizer que é isso o melhor delas? Como dizer que um cabelo é o que ressalta o melhor de uma mulher? Por que o cabelo crespo é sempre chamado por algo pejorativo, é o cabelo ruim, bombril, pixaim? A segunda delas é só mais um dos inúmeros exemplos de propagandas machistas de cerveja. Aqui, o verão é, na verdade, uma mulher “gostosona”, que vive de biquíni pequeno ou sainha bem curtinha. O verão é reduzido a mulher e cerveja. E a mulher é reduzida a um corpo. Como sempre. Sobre a da Nivea... gente! Não preciso nem falar nada né? A mulher é tão nada, é tão só corpo, que a confiança dela vem de uma bunda sem celulite. E ela convida para que todos olhem sua bunda. E tal bunda é filmada o anúncio inteiro.



É por causa desse tipo de coisa que a sociedade machista continua machista e não muda. O que nós vemos em muitas propagandas, tanto as exemplificadas aqui, quanto em muitas outras (produtos de limpeza, de comida, carros) são mulheres reduzidas a um corpo, que muitas vezes é um peito e uma bunda. Essas propagandas ressaltam apenas características físicas da mulher e não defendem nem mesmo sua naturalidade. A maior parte dos cabelos é falsa, assim como as próprias bundas e os próprios peitos. As coxas e pernas também são moldadas em busca da “perfeição”. A mulher bonita é aquela magérrima (vejam as Angels da Victoria’s Secrets) ou aquela malhadona, com bundão e peitão.



E o que mais me impressiona nisso tudo é ver que, por exemplo, no curso de publicidade da PUC-Rio (faculdade onde estudo cinema), a maior parte dos estudantes é de mulheres! Gente, cadê essas mulheres no mercado publicitário? Já chega dessa visão machista a respeito do que se resume a mulher (e por acaso ela se resume?), já chega de mostrá-la como um objeto, como alguém fútil e idiota. Ao mesmo tempo que temo a juventude em que vivo, eu coloco fé nela. Coloco fé porque acredito que ainda existem cabeças que podem mudar essas imagens e que podem mudar o mundo. Eu tenho a esperança de que ainda há pessoas boas nesse mundo.



Com tudo isso que acontece, eu fico querendo fugir. Sair daqui, dessa cidade violenta, desse país preconceituoso. Mas... ir para onde? Cada país tem seus problemas, seus preconceitos, seus machismos, seus xenofobismos, seus absurdos... me dá vontade de pegar um foguete e povoar Vênus para tentar criar um mundo mais agradável de se viver. Mas já que isso não é possível, o jeito é tentar lutar para que o nosso mundo seja melhor. Mesmo que isso leve anos. Eu não quero achar que é utópico um mundo em que homens, mulheres, brancos, negros, gays e heteros têm os mesmos direitos. Isso não é utopia. Isso é cidadania básica. Isso é necessidade para uma convivência normal nesse planeta Terra. Nós merecemos isso.

Marina N. Martins