terça-feira, 31 de março de 2015

Vênus (não) é a saída.

A imagem não é de Vênus, é a Lua feita por George Meliés, mas eu gosto muito dela. E acho que ela retrata como eu me sinto de vez em muito.


"Na luta entre você e o mundo, apoie o mundo." - Franz Kafka

Eu gosto de escrever sobre o que me incomoda. Isso não tira o nó que fica na minha garganta e nem me livra de engasgos, mas pelo menos tira um pouco de peso da minha cabeça. Hoje, agora, muitas coisas estão reunidas dentro de mim e me dando dor no estômago. A quantidade sempre grande de propagandas machistas, que retratam a mulher como um corpo, a aprovação da proposta que reduz a maioridade penal e estudantes de medicina vestidos com roupas semelhantes às da Ku Klux Klan estão batendo na minha cabeça e me dando um enjoo terrível. Estão inclusive me atrasando no que eu deveria estar fazendo, mas não estou, porque preciso colocá-las para fora. Nem que seja através de letras.



Vamos começar por esses estudantes. Essas pessoas escolheram uma profissão que cuida de pessoas. Da vida de pessoas. Com certeza, elas estudaram muito para poder entrar na faculdade, pois passar para medicina não é uma tarefa fácil. Aí resolvem fazer uma recepção de calouros em que suas fantasias são roupas idênticas às usadas pelos membros da Ku Klux Klan (KKK). A única diferença é a cor – de branca, mudou pra preta. Pra quem não sabe, a KKK foi uma seita ocorrida nos Estados Unidos que defendia a supremacia branca, sendo extremamente violenta com os negros e tendo como objetivos, exterminá-los. Então não quero ver ninguém falando que o que esses estudantes fizeram foi uma brincadeira, pois há momentos na história com os quais não se pode brincar. Há fantasias que não podem ser reproduzidas. Há referências que só podem ser mencionadas quando coberta de críticas. E esse caso é um deles. Me deixa extremamente triste ver jovens fazendo “brincadeiras” de tanto mau gosto e tão violentas como essa. Isso gera um pessimismo muito grande em mim, pois nós, jovens, somos o próximo futuro ou o futuro próximo. E ter tantas pessoas que brincam com coisas sérias assim ou que pensam de formas conservadoras me desestimula como ser humano. A atitude desses estudantes me faz pensar em todos os podres que existem na juventude atual e, nesse caso, só me resta lutar para um mundo melhor. A parte boa disso tudo é que existem jovens que também pensam como eu. Isso faz com que pelo menos um suspiro de otimismo respire dentro de mim.



Sobre a redução da maioridade penal, que medida é essa? É inacreditável que acreditem que colocar jovens de 16 anos na cadeia reduza a violência. Por favor, não é colocando pessoas na cadeia que faz com que elas se redimam, muito menos no Brasil. Todos sabemos como é nosso esquema carcerário; celas sujas e superlotadas, pessoas suando juntas, passando mal de calor... não tem como achar que isso vá tornar alguém um cidadão melhor. Creio que, em muitos casos, a situação das cadeias enraivece mais ainda quem um dia já esteve lá. É desumano. Eu até acho que há certos criminosos que merecem apodrecer em locais horríveis, pois a partir do momento que alguém estupra, mata, essa pessoa está tirando o direito humano da outra, então não acredito que ela mereça ser defendida através desse mesmo direito. No entanto, não é o caso da maior parte de nossos presos, principalmente tendo em vista que a maioria da população carcerária nesse país é pobre e negra. Enquanto isso, ricos e políticos têm penas reduzidas ou mais leves do que o apodrecimento em celas claustrofóbicas e superlotadas.



Indo agora para a questão do machismo, estou cada dia mais impressionada com as peças publicitárias veiculadas nos meios de comunicação. A Revista Forum publicou uma matéria com dez exemplos das propagandas mais preconceituosas do último ano e, aqui, vou exemplificar três (duas delas também se encontram no link).


1.    Tresemmé


2.      A Verão da Itaipava – vocês com certeza já viram essa. Se não viram, fiquem a vontade para quererem se matar comigo:
https://www.youtube.com/watch?v=a5hzteameeU




3.    Nivea, apresentando um creme contra celulites: a mulher pergunta “sabem por que estou me sentindo tão confiante, por que me sinto tão bonita? Basta olhar para o meu bumbum”.



Parece sacanagem, né gente? Mas não é. Isso existe. Isso é aprovado. Isso é transmitido. Fico me perguntando quem são os responsáveis por criar e aprovar peças como essas. E o pior é que tem gente que nem percebe a gravidade disso! A primeira propaganda, além de machista, é completamente racista, pois todos sabem que as mulheres negras não costumam ter cabelos naturalmente lisos. Então como dizer que é isso o melhor delas? Como dizer que um cabelo é o que ressalta o melhor de uma mulher? Por que o cabelo crespo é sempre chamado por algo pejorativo, é o cabelo ruim, bombril, pixaim? A segunda delas é só mais um dos inúmeros exemplos de propagandas machistas de cerveja. Aqui, o verão é, na verdade, uma mulher “gostosona”, que vive de biquíni pequeno ou sainha bem curtinha. O verão é reduzido a mulher e cerveja. E a mulher é reduzida a um corpo. Como sempre. Sobre a da Nivea... gente! Não preciso nem falar nada né? A mulher é tão nada, é tão só corpo, que a confiança dela vem de uma bunda sem celulite. E ela convida para que todos olhem sua bunda. E tal bunda é filmada o anúncio inteiro.



É por causa desse tipo de coisa que a sociedade machista continua machista e não muda. O que nós vemos em muitas propagandas, tanto as exemplificadas aqui, quanto em muitas outras (produtos de limpeza, de comida, carros) são mulheres reduzidas a um corpo, que muitas vezes é um peito e uma bunda. Essas propagandas ressaltam apenas características físicas da mulher e não defendem nem mesmo sua naturalidade. A maior parte dos cabelos é falsa, assim como as próprias bundas e os próprios peitos. As coxas e pernas também são moldadas em busca da “perfeição”. A mulher bonita é aquela magérrima (vejam as Angels da Victoria’s Secrets) ou aquela malhadona, com bundão e peitão.



E o que mais me impressiona nisso tudo é ver que, por exemplo, no curso de publicidade da PUC-Rio (faculdade onde estudo cinema), a maior parte dos estudantes é de mulheres! Gente, cadê essas mulheres no mercado publicitário? Já chega dessa visão machista a respeito do que se resume a mulher (e por acaso ela se resume?), já chega de mostrá-la como um objeto, como alguém fútil e idiota. Ao mesmo tempo que temo a juventude em que vivo, eu coloco fé nela. Coloco fé porque acredito que ainda existem cabeças que podem mudar essas imagens e que podem mudar o mundo. Eu tenho a esperança de que ainda há pessoas boas nesse mundo.



Com tudo isso que acontece, eu fico querendo fugir. Sair daqui, dessa cidade violenta, desse país preconceituoso. Mas... ir para onde? Cada país tem seus problemas, seus preconceitos, seus machismos, seus xenofobismos, seus absurdos... me dá vontade de pegar um foguete e povoar Vênus para tentar criar um mundo mais agradável de se viver. Mas já que isso não é possível, o jeito é tentar lutar para que o nosso mundo seja melhor. Mesmo que isso leve anos. Eu não quero achar que é utópico um mundo em que homens, mulheres, brancos, negros, gays e heteros têm os mesmos direitos. Isso não é utopia. Isso é cidadania básica. Isso é necessidade para uma convivência normal nesse planeta Terra. Nós merecemos isso.

Marina N. Martins

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