quinta-feira, 8 de maio de 2014

Cinema.





- Eu faço Engenharia na UFRJ.
- Caramba, que legal! Nossa, deve ser muito difícil, né?
Nas entrelinhas: se deu bem, vai ser rico.
- Eu faço Direito na UERJ.
- Nossa, parabéns, que máximo!
Nas entrelinhas: que gênio, vai ser rico.
- Eu faço Medicina na UFRJ.
- Uau! Passou de primeira? Vai para que área?
Nas entrelinhas: que máximo, que inteligente, vai ser rico.
- Eu faço Economia na PUC.
- Po, parabéns, mandou bem!
Nas entrelinhas: quer ser e vai ser rico.

Sim. As “entrelinhas” que escrevi são completos estereótipos do que as pessoas pensam quando ouvem sobre essas profissões. Mas, em um sistema capitalista como o que vivemos, ser rico é bom. Então, esses pensamentos, mesmo que você que esteja lendo isso não pense assim, são bons. Muitas vezes a gente nem pensa assim, mas acaba brincando com isso e também levando na brincadeira. Citei essas quatro profissões porque, assim como as “entrelinhas”, elas são um estereótipo: dinheiro. É comum a gente pensar que quem está cursando-as será bem sucedido. Muito melhor sucedido do que uma estudante de... cinema.

- Eu faço Cinema na PUC.
O que costumo escutar:
- Caramba, corajosa!
Nas entrelinhas: coitada, é corajosa, porque escolheu ser pobre.
- Que legal! Eu pensei em fazer cinema, mas... é... sei lá.
Nas entrelinhas: ... mas escolhi não ser pobre.
- Uau! Eu quis fazer cinema, mas meu pai não deixou.
Nas entrelinhas: meu pai não quis que eu fosse pobre.
- Mas você vai ficar no Brasil mesmo?
Nas entrelinhas: tem que ir pra Hollywood, menina, senão vai ser pobre.
- Nossa, que máximo, cinema, uau! Que legal você é!
Nas entrelinhas: nossa, ela só deve ver filme cabeça, deve saber sobre todos os diretores do mundo, deve ser muito cult.
- Nossa, profissãozinha difícil essa que você escolheu, heim? – Ouvi essa hoje, de uma desembargadora que disse ter preconceito contra o cinema brasileiro e se recusa a ver qualquer filme do próprio país. Não precisa de entrelinhas, ela já foi bem sincera.

Você talvez esteja se perguntando onde eu quero chegar com tudo isso. Pois é. Acontece que eu não escolhi uma carreira “normal”. Das duas uma: ou a pessoa sente pena da minha futura pobreza e da vida difícil que eu terei, ou ela me acha extremamente foda. Claro que eu estou dramatizando um pouco, existem as exceções – ainda bem –, mas, como são exceções, obviamente não é o que vejo na maior parte das vezes. Eu prefiro que me achem muito cool por fazer cinema do que tenham pena do futuro não promissor que terei na minha vida, mas não tem como a pessoa ter uma reação normal? Poxa, seria muito melhor se a pessoa em questão achasse só legal, em vez de me achar alguém extremamente conhecedora do mundo cinematográfico ou de achar que serei sustentada por meus pais pelo resto da vida!

Desculpe decepcionar, mas não é só porque eu faço cinema, que eu já tenho visto todos os filmes, clássicos e não clássicos, do mundo. Não é só porque eu faço cinema que eu goste de todos os filmes conceituais e experimentais. Que eu conheça todos os diretores do Leste Europeu. E da Ásia. Que eu seja viciada em Cinema Alemão. Que eu queira fazer besteiróis brasileiros. Ou que eu queira ir pra Hollywood fazer filmes comerciais. Eu só tenho 19 anos, uma faculdade e uma vida inteira pela frente para conhecer mais sobre o mundo cinematográfico. Também não é só porque eu escolhi ser cineasta que eu vá ser dura. Que eu seja maconheira (detesto essa palavra). Que eu seja hippie. Que eu não consiga realizar meu sonho.

Qual seria a saída, então? Escolher uma profissão que eu goste médio, ou que eu não goste, só porque tenho mais chances de fazer dinheiro com ela? Eu odeio exatas (elimina Engenharia e Economia). Fico enjoada com sangue (tchau, Medicina). Não ia suportar passar o dia sentada num escritório, usando salto (não serei executiva). Pronto, não posso mais ser rica. História, teatro, psicologia... tudo coisa de pobre. Aí eu vou e escolho cinema. Credo, pior ainda né?

Os estereótipos são coisas muito chatas e eu fico completamente incomodada com eles diariamente. É só eu falar que faço cinema que eles pulsam das veias dos desconhecidos – e de muitos conhecidos. Ainda bem que meus pais sempre me apoiaram na profissão que eu escolhi para ser. Eu nunca escutei deles “tem certeza?”. Nunca. Agradeço imensamente por ter tido a “liberdade” (que na verdade é um direito) de ter escolhido algo que me faça feliz e que me deixe apaixonada. De vez em quando, escuto muito o quão dura e pobre serei e vou conversar com a minha mãe, desesperada. Minha terapeuta também já escutou muito. Eu costumo não me importar com o que dizem sobre mim, mas chega uma hora que a insegurança vem – e vem bem forte. Eu começo a pensar que eu nunca vou poder ser o que sonho em ser, que não vou poder ter os filhos que queria ter, que não vou poder mais viajar... Os estereótipos já me proporcionaram muitos momentos de desespero. Mas agradeço por ter pais que confiem em mim e dizem que têm certeza de que serei uma ótima profissional. Graças a eles, a amigos e a familiares, eu continuo tendo a esperança de que vou ser feliz, milionária, rica, ou dura, se eu fizer o que amo. E eu acredito nisso.

Eu sou uma pessoa normal e adoraria que a minha futura profissão fosse também. Cineasta não é duro, não é maluco, não é gênio, é uma pessoa normal. E, em como toda e qualquer carreira, há profissionais bons e ruins, ricos e pobres, inteligentes e idiotas. Toda carreira carrega seu estereótipo, mas eu me incomodo muito com os da minha. Ou pelo menos como eu os sinto. Se não existissem os médicos, muitas pessoas teriam morrido. Se não existissem os engenheiros, muitas construções teriam caído. Se não existissem os cineastas, não haveria cinemas e muitos casais deixariam de se formar. Não teríamos Tropa de Elite, Cidade de Deus, Poderoso Chefão, Pulp Fiction, Manhattan, E.T., Volvér, American Pie, Meninas Malvadas, High Scool Musical, Psicose, Sexto Sentido e eu poderia passar o resto da minha vida nessa lista. Eu faço cinema e não sou uma pessoa “extra-ordinária” por causa disso. E nem pretendo ser. Eu faço porque amo e dispenso estereótipos. Desejo ser apenas admirada como profissional e pelo meu talento, e não estereotipada por isso. Fim de história.

Marina Martins, em momento de desabafo.

Obs: aproveito para deixar o link de um vídeo que eu fiz para um trabalho:
https://www.youtube.com/watch?v=rUFovcI80iY&sns=fb 

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