segunda-feira, 10 de abril de 2017

É o meu corpo, mas não é meu

Ilustração: Layse Almada

O meu corpo não é meu. Só do fato de eu precisar pensar várias vezes o quão sou dona do meu corpo, já mostra que isso não é tão natural quanto deveria ser. E isso é tão louco. A gente banaliza o anormal e se choca com o natural. Eu não pertenço a ninguém, mas a sociedade ainda não entendeu isso. Então entender que eu sou minha é uma batalha. Cada olhar e cada fala que escuto sobre as minhas “imperfeições” ou o que eu posso fazer para “melhorá-las” ou escondê-las, eu me sinto menos minha. Cada olhar de julgamento me tira um pouco de mim. As estatísticas de violência sexual e doméstica contra mulheres mostram que muita gente ainda faz o que quer do corpo das outras. Se meu corpo fosse meu, eu não arrancaria meus pelos quando eles ficam grandes. Ou pelo menos não me incomodaria com os olhares que eles recebem. Eu não ia me submeter à dor de uma cera arrancando meus pelos, ou de uma pinça puxando-os e por vezes machucando minha pele. Não ia me submeter a uma cama numa sala de depilação, em que fico literalmente aberta e sentindo dor. E o pior, não ia me sentir melhor e mais bonita após a dor dos pelos arrancados. Eu não ia me preocupar com a barriga um pouco maior, os cinco quilos que ganhei em um ano, as espinhas que apareceram em mim depois que eu abdiquei dos hormônios da pílula anticoncepcional, as celulites que resolveram aparecer, umas estrias que aumentaram, os meus peitos não seriam um eterno problema para mim. Se meu corpo fosse meu, o espelho seria um reflexo de um sorriso, não um momento de procura do que poderia ser melhor. Eu não me preocuparia com as opiniões diárias das pessoas sobre o que eu poderia fazer com meu corpo. “Passa uma base”, “toma esse remédio”, “troca de roupa”, “por que cortou o cabelo?”, “ta peludinha, heim?”.

Agora, a minha nudez, essa é só minha. Porque minha nudez só é dos outros quando ela se enquadra no que eles gostam. Minha nudez é dos outros quando não traz marcas, gorduras ou pelos. Quando o que é mostrado agrada. Mas quando quero tirar a camisa por calor, minha nudez é minha. Minha nudez não é minha quando vende. Mas aquela nudez que recebe a água do chuveiro, essa só pode ser minha. E ai de mim se quero mostrá-la. E o meu corpo é tão não meu, que eu nem tenho coragem de mostrar essa nudez. Porque minha nudez é tão minha, que quando é para os outros, fico achando que é errada, que podia ser melhor, que não vão aceitá-la. Ela nunca me deixou satisfeita.

Quando ando na rua e ouço comentários, sinto olhares e às vezes até toques, meu corpo não é meu. Porque ele só é meu quando eu deixo tocar, quando eu gosto do olhar, quando eu quero escutar o que têm a dizer sobre ele. Meu corpo, minhas regras? Talvez no dia em que eu parar de tentar me adequar às normas sociais e ao que elas esperam de mim. Por enquanto, eu dito algumas regras e cumpro algumas outras. Minha regra é um corpo livre (um corpo cru, em homenagem ao meu projeto). Um corpo feliz que signifique liberdade e não opressão. Não é só sobre quem vai olhá-lo e tocá-lo. É sobre a minha relação com ele. É sobre diminuir a minha exigência em relação ao que eu enxergo no espelho. Meu corpo não é meu, mas ai de você querer arrancá-lo de mim. Posso até sair de mim, mas do meu corpo, desse eu não saio.

Marina N. Martins

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