Ilustração: Layse Almada |
O meu corpo não é meu. Só do fato de eu precisar pensar
várias vezes o quão sou dona do meu corpo, já mostra que isso não é tão natural
quanto deveria ser. E isso é tão louco. A gente banaliza o anormal e se choca
com o natural. Eu não pertenço a ninguém, mas a sociedade ainda não entendeu
isso. Então entender que eu sou minha é uma batalha. Cada olhar e cada fala que
escuto sobre as minhas “imperfeições” ou o que eu posso fazer para “melhorá-las”
ou escondê-las, eu me sinto menos minha. Cada olhar de julgamento me tira um
pouco de mim. As estatísticas de violência sexual e doméstica contra mulheres
mostram que muita gente ainda faz o que quer do corpo das outras. Se meu corpo
fosse meu, eu não arrancaria meus pelos quando eles ficam grandes. Ou pelo menos
não me incomodaria com os olhares que eles recebem. Eu não ia me submeter à dor
de uma cera arrancando meus pelos, ou de uma pinça puxando-os e por vezes
machucando minha pele. Não ia me submeter a uma cama numa sala de depilação, em
que fico literalmente aberta e sentindo dor. E o pior, não ia me sentir melhor
e mais bonita após a dor dos pelos arrancados. Eu não ia me preocupar com a
barriga um pouco maior, os cinco quilos que ganhei em um ano, as espinhas que
apareceram em mim depois que eu abdiquei dos hormônios da pílula anticoncepcional,
as celulites que resolveram aparecer, umas estrias que aumentaram, os meus
peitos não seriam um eterno problema para mim. Se meu corpo fosse meu, o espelho seria
um reflexo de um sorriso, não um momento de procura do que poderia ser melhor.
Eu não me preocuparia com as opiniões diárias das pessoas sobre o que eu
poderia fazer com meu corpo. “Passa uma base”, “toma esse remédio”, “troca de
roupa”, “por que cortou o cabelo?”, “ta peludinha, heim?”.
Agora, a minha nudez, essa é só minha. Porque minha nudez só
é dos outros quando ela se enquadra no que eles gostam. Minha nudez é dos
outros quando não traz marcas, gorduras ou pelos. Quando o que é mostrado
agrada. Mas quando quero tirar a camisa por calor, minha nudez é minha. Minha
nudez não é minha quando vende. Mas aquela nudez que recebe a água do chuveiro,
essa só pode ser minha. E ai de mim se quero mostrá-la. E o meu corpo é tão não
meu, que eu nem tenho coragem de mostrar essa nudez. Porque minha nudez é tão
minha, que quando é para os outros, fico achando que é errada, que podia ser
melhor, que não vão aceitá-la. Ela nunca me deixou satisfeita.
Quando ando na rua e ouço comentários, sinto olhares e às
vezes até toques, meu corpo não é meu. Porque ele só é meu quando eu deixo
tocar, quando eu gosto do olhar, quando eu quero escutar o que têm a dizer
sobre ele. Meu corpo, minhas regras? Talvez no dia em que eu parar de tentar me
adequar às normas sociais e ao que elas esperam de mim. Por enquanto, eu dito
algumas regras e cumpro algumas outras. Minha regra é um corpo livre (um corpo
cru, em homenagem ao meu projeto). Um corpo feliz que signifique liberdade e não
opressão. Não é só sobre quem vai olhá-lo e tocá-lo. É sobre a minha relação
com ele. É sobre diminuir a minha exigência em relação ao que eu enxergo no
espelho. Meu corpo não é meu, mas ai de você querer arrancá-lo de mim. Posso
até sair de mim, mas do meu corpo, desse eu não saio.
Marina N. Martins
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