Ta escrito e é em rosa!
E mais uma vez tenho um dia onde preciso me indignar com o machismo. Mais uma vez me irrito, me estresso, fico me lamentando. Tudo começa na Timóteo da Costa, a caminho do ponto de ônibus. Em frente a um prédio, há um grupo de quatro homens passando uma porta, ou uma placa, de vidro, do edifício para o caminhão. Paro ao lado do caminhão para atravessar a rua, estou no celular com o meu namorado. Ainda não atravessei a rua, então um deles me diz “Pode passar por aqui, já acabamos”. Ingênua e um pouco desligada, agradeço e passo entre os homens. Pra que? Enquanto um sorri pra mim com um sorriso nojento e tarado, o outro me diz “Que coisa mais linda”, com uma voz nojenta e tarada, e os outros dois aproveitavam antes dos colegas para apreciar a parte traseira do meu corpo. Não aguentei e comecei a falar bem alto no celular, para o meu namorado, o quanto aqueles homens eram idiotas e desrespeitosos.
Já esperando o ônibus na Visconde de Albuquerque, há uma Kombi vindo bem devagar. Já me preparei para o pior. E não é que estava certa? O pirralho que estava no banco do carona fez questão de dizer “Que coisa mais linda”, novamente com aquela voz tarada e nojenta. O moleque deve ter aprendido com o papai dele a ser grosso com as mulheres! E não adianta dizer que essas pessoas estão me elogiando, ou que eu estava com um short muito curto (eu uso a roupa que eu bem entender), ou que sou uma pessoa bonita mesmo... não se trata de nada disso. O que esses idiotas fazem é invadir o espaço das mulheres de maneira covarde e desrespeitosa, achando que elas não se importam em ouvir esses “elogios” que acabam se tornando ofensas. Não importa a roupa que estou vestindo, a maquiagem que estou usando, meu corte de cabelo... isso não é motivo para homem nenhum achar que está no direito de comentar sobre mim de maneira grosseira! Eu não ia me importar se qualquer pessoa me pedisse licença, me parasse na rua e dissesse “Só queria te dizer que você é muito bonita”. Isso sim seria um elogio! Aí sim eu agradeceria e continuaria bem, feliz, sem precisar me irritar com gente desrespeitosa.
E como se já não bastasse, pego o vagão das mulheres no metrô mais tarde, sentido Zona Sul. Que absurdo... Entro no vagão procurando um lugar para sentar e não acho. Quando me dou conta, há sim um lugar vazio. Andando para sentar no banco, sou interrompida por uma pessoa que é mais rápida do que eu. Ah, sim! Essa pessoa é um homem. Penso se vou pedir licença pra ele, se vou avisar que o vagão é de mulheres, se vou falar com ele. Mas assim como as outras mulheres, não digo nada. Tenho medo do que ele pode me responder, do que ele pode fazer. Não sei quem é ele, não sei o que ele pode ter na cabeça, ou na bolsa. As estações passam e fico eu lá, em pé perto dele, olhando pro rosto dele, muito indignada. Outro banco vaga, vou até lá, assim paro de ter que olhar pro imbecil sentado, enquanto uma mulher está em pé em seu próprio vagão.
Em
cada estação, entram mais e mais homens. Fiscalização? Tem sim, mas apenas no
sentido Zona Norte. No sentido que vai à Ipanema, os homens entram, sentam e
deixam mulheres em pé. As mulheres entram COM os homens em um vagão que é
DELAS. Ninguém olha, ninguém diz nada, ninguém faz nada. Não há guardas, não há
fiscalização. Não seria mais simples alterar o vagão das mulheres para:
FUNCIONAMENTO APENAS EM SENTIDO ZONA SUL? Para que inventar a merda de uma
regra que não é cumprida? Ninguém se importa, ninguém se indigna! As próprias mulheres
acham normal, não se incomodam e desrespeitam o seu PRÓPRIO direito. O vagão
das mulheres poderia ter seu nome trocado para: vagão das mulheres, dos homens
que fingem ser desligados, daltônicos ou analfabetos, e dos machistas. Ah, e
dos poucos que realmente estão apressados e distraídos e se enganam, pois eles
também existem e não fazem por mal.
Ao longo dos anos, sofremos tanto com o preconceito, que é cada vez mais vencido, mas que ainda existe... somos uma maioria tratadas como minoria insignificante em pleno século XXI. Tanta tecnologia, tantas mudanças e a cabeça das pessoas continua quase a mesma. Que vergonha. Precisamos ter nosso próprio vagão porque certos homens não conseguem respeitar nosso espaço e intimidade, então temos que nos manter longe deles, para que não haja assédios. Ainda assim, nem eles, e nem as próprias mulheres conseguem respeitar um espaço dedicado a nós. Mais uma vez o Brasil vai mostrando a cara e deixando mulheres, como eu, indignadas. Mais do que isso: envergonhadas de seu próprio país e da sociedade em que vivem.
Marina Martins
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