Escrito em novembro de 2016.
Enviado só para uma pessoa. Agora sendo publicado.
Umas coisas mudaram, outras não. E tudo bem.
Antes de você ir, era ruim. Por mais que eu evitasse, era
inevitável a contagem regressiva. Cada dia era menos um dia com você, era uma
aproximação para a hora da despedida. Era aproveitar os últimos momentos,
enquanto tentávamos esquecer que eram os últimos. Cada “tchau” era um
sofrimento, pois temíamos o “tchau” mais longo que estava por vir. Era muita
emoção e muita expectativa. Mais de cinco anos juntos. Como somos um sem o
outro? Nem a gente sabia e nem os outros ajudavam. Diziam que não nos
imaginávamos separados. E eu comecei a pensar que, antes de tudo, nós somos um.
Cada um é um. E só somos dois porque queremos ser dois. Na verdade, estamos.
Somos um e estamos dois, quando estamos juntos. E esse estar é uma escolha. No
dia que deixar de ser, deixaremos de estar e permaneceremos sendo. Sendo um.
Que quando junta com outro, é dois. E só é porque quer.
Quando você foi, senti. Sofri. Chorei. Mas depois, vi que não
era tão ruim quanto eu imaginava naquela semana anterior. Percebi, então, que
eu era uma. E foi quando conversamos, na primeira semana, sobre isso, que me
dei ainda mais conta. E tudo começou a ser mais leve quando cheguei a essa
conclusão. Se os outros não nos imaginam separados, o problema é deles e não
nosso. Porque temos de entender que somos seres independentes um do outro. Se
algum dia formos dependentes, é pra parar e repensar em tudo, porque não é
saudável alguém que dependa de alguém dessa forma.
Quando você foi, me vi só, como muitas vezes me vejo. Hoje
chove e é véspera de feriado. Minha mãe viaja. Você claramente estaria comigo,
mas não está. Assim como ontem. E não estava. Estou só. A casa está só para mim
e ninguém mais. Cozinharíamos, comeríamos besteira, veríamos filmes bons ou
ruins. Os meus bons, os seus ruins, claro. Brincadeira, não me mata. Ou então
veríamos séries. Novos episódios de séries antigas, novos episódios de séries
novas, antigos episódios de séries antigas. Começaríamos alguma, continuaríamos
alguma, repetiríamos algumas.
Quando você foi, consegui respeitar e aproveitar ainda mais a
minha solidão. Minha relação comigo mesma. Entendi que é importante respeitar
“a bad”. Quando estou mal, tenho a opção de arranjar alguma coisa para fazer,
encontrar minhas amigas, ou simplesmente aceitar que estou mal. Tomar um banho,
chorar no banho, ouvir música, deitar na cama, comer, ver filmes e séries.
Sozinha. É bom também. É bom entender e respeitar que não precisamos ser
felizes o tempo inteiro. Ajuda você a se compreender e se aceitar de várias
formas. Ajuda você a se enxergar como ser humano frágil, sensível, imperfeito,
saudoso, desejante, normal.
Quando você foi, fiquei mais tranquila do que imaginava. E
algumas pessoas achavam essa tranquilidade estranha. As pessoas esperam que a
gente sofra mais do que a gente deveria sofrer. Fico feliz de ver que não correspondi
a esse tipo de expectativa. Porque você foi ser feliz, então por mais que
existam os momentos de aperto, os momentos de lágrimas, a vida continua, e
continua comigo sabendo que você está bem. E continua porque aprendemos a
conviver um sem o outro. Temos amigos, temos família, temos a nós mesmos, por
melhor ou pior que seja isso. Por mais gostoso e mais desesperador que seja
estar sozinho.
Quando você foi, desconstruí imagens que tinha de mim mesma.
Preocupada, controladora, ciumenta. Eu não sou assim. E não preciso ser assim
só porque me considero ou consideram assim. Percebi que sou mais tranquila e
mais forte do que pensava. Me conheci ainda mais. Estou evoluindo pessoalmente,
tendo visões que nunca imaginei que teria. Estou conseguindo ver o lado bom nas
coisas complicadas. Amadureci e me considero mais compreensiva em vários
aspectos. Percebi que não sou tão apegada quanto imaginava.
Quando você foi, entendi ainda mais porque estamos juntos. Vi
ainda mais a sorte que tenho de te ter na minha vida e, convenhamos, de você me
ter na sua. Não porque sou maravilhosa, mas porque somos maravilhosos juntos.
Aliás, porque sou maravilhosa também! Também estou tentando aprender isso –
inclusive, algo que você sempre me estimulou a fazer – de me permitir me achar
maravilhosa. É difícil, mas não seria verdade? Quando estou só, vejo a ótima
companhia que sou. E não deveria pedir licença de dizer isso, deveria ter
orgulho.
Quando você foi, pude crescer, amadurecer e perceber que essa
coisa de posse não está com nada. Eu não pertenço a você, você não pertence a
mim. Ninguém possui ninguém e ninguém pertence a ninguém. Como já falei, só
estamos com o outro porque escolhemos estar. Pelo menos deveria ser assim.
Pertencimento é pura ilusão e pode acabar muito rápido. Pode acabar machucando.
Se a gente entendesse que ninguém se pertence, nem se possui, seria tudo muito
mais simples. “Eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu
também”. Por vezes, ama e deseja a mesma pessoa e, aí sim, é a melhor coisa. E
se é recíproco, então, nem se fala.
Quando você foi, aprendi ainda mais que, se for para ser, vai
ser. Não importa quem passar por nós, por onde passemos. Se é para estarmos
juntos, estaremos. E estaremos enquanto quisermos. Pude ver ainda mais que é
com você mesmo que quero estar, quando estamos perto. Se eu tenho você perto de
mim, eu não quero mais ninguém. Pelo menos por enquanto. E quem vai dizer até
quando? Nem nós. Quando for a hora de não ser, a gente vai parar. Mas por
enquanto, deixa estar. Estar nós dois. Ser cada um de nós. Ser cada um e estar
em dois. Em menos de um mês, estaremos em dois. É bem reconfortante a contagem
regressiva de agora ser para te ver, e não para parar de te ver. E posso falar?
Não vejo a hora de juntar meu ser com o seu para poder estar. Te amo.
Marina N. Martins